Ao assistir a Megalópolis (2024), lançado nos cinemas nesta quinta-feira (31), é fácil entender por que nenhum estúdio quis dar dinheiro ao filme, mesmo sendo um projeto de Francis Ford Coppola, cinco vezes vencedor do Oscar — como coautor do roteiro de Patton: Rebelde ou Herói? (1970) e de O Poderoso Chefão (1972) e como diretor, produtor e corroteirista de O Poderoso Chefão: Parte II (1974) — e ganhador de duas Palmas de Ouro no Festival de Cannes, por A Conversação (1974) e por Apocalypse Now (1979).
Coppola, 85 anos, teve de vender parte de sua vinícola na Califórnia para financiar sozinho a concretização de um sonho muito antigo. Gastou US$ 120 milhões na produção e mais US$ 20 milhões em marketing para dar vida a Megalópolis, cujos bastidores são muito mais interessantes do que a história vista na tela: os mais de 40 anos entre a ideia e a estreia; a leitura de roteiro com Robert De Niro, Leonardo DiCaprio, James Gandolfini, Paul Newman e Alec Baldwin; as 36 horas de filmagens em Nova York jogadas no lixo por causa do 11 de Setembro; o pedido para a composição de uma sinfonia para um filme inexistente; o trailer com citações falsas de críticos renomados geradas por inteligência artificial; as acusações de assédio sexual feitas por duas figurantes; o retumbante fracasso comercial — em um mês de exibição nos EUA, a bilheteria mal passou dos US$ 7,5 milhões.
Durante sua passagem pelo Brasil para o lançamento de seu primeiro longa-metragem desde o experimental Distant Vision (2015), Coppola lembrou que já havia quebrado outras vezes — O Fundo do Coração (1981), por exemplo, custou US$ 27 milhões e arrecadou míseros US$ 716 mil — e disse que riscos fazem parte da arte. Citou uma frase do protagonista, o arquiteto Cesar Catilina, interpretado por Adam Driver: "Quando saltamos no desconhecido, provamos ser livres". Também recordou da acolhida dada em sua casa, em San Francisco, ao cineasta baiano Glauber Rocha (1939-1981) durante o exílio ("Ele chorou nos meus braços, angustiado por não saber se um dia poderia retornar ao seu país. Ele voltou e morreu aqui"), falou que sua visita a Curitiba, em 2003, influenciou Megalópolis e garantiu que há cenas "definitivamente inspiradas em Cidade de Deus" (2002).
Sua presença e seu discurso parecem ter encantado a crítica nacional. Para Laysa Zanetti, do Terra, o filme "é um ato corajoso contra Hollywood". Em O Globo, Carlos Heli de Almeida escreveu que "até quando erra, Coppola o faz de maneira genial". Na mesma linha, Roberto Sadovski, no Uol, chamou o filme de "obra imperfeita e hipnotizante". O texto de Inácio Araújo na Folha de S. Paulo recebeu a manchete "Ótimo, Megalópolis tira cinema americano da mediocridade". No Omelete, Caio Colletti deu cinco estrelas, mas com a seguinte ressalva: "Fincado firmemente nos conflitos do homem imperfeito, ultrapassado, egocêntrico e indulgente que o realizou, Megalópolis se torna um filme difícil de julgar. É também um filme que merece que você lute com ele dentro de sua cabeça e de seu coração, e um filme com o qual sua cabeça e seu coração merecem ter a oportunidade de lutar".
Se você está disposto a lutar, saiba que são duas horas e 18 minutos de duração. E, se a minha opinião importa, achei o filme medonho.
Fica entre o bobo e o incompreensível, passando pelo pretensioso. Fazendo jus ao título e ao currículo do cineasta, é um exercício caríssimo de megalomania. Coppola quis abarcar quase todos os gêneros — drama, romance, fantasia, comédia política, suspense policial, ficção científica — enquanto atira para vários lados. Parte desta fábula é uma crítica surrada à decadência dos Estados Unidos, da imprensa e da própria Hollywood, ora de maneira alegórica, ora de modo direto. A sentimentaloide moral da história é a de que devemos acreditar na humanidade, na arte, na filosofia e nos laços familiares.
A trama se passa em um futuro alternativo, onde Nova York se chama Nova Roma. O nome do personagem de Adam Driver remete tanto ao célebre ditador Júlio César quanto a Lúcio Sérgio Catilina, um aristocrata que conspirou para tentar derrubar a República Romana, mediante o assassinato de políticos e o incêndio da própria cidade, mas em Megalópolis podemos dizer que ele é um dos mocinhos. O plano do arquiteto é construir, com o metal mágico que ele inventou e que lhe valeu um Prêmio Nobel, uma metrópole utópica, melhorando a vida das comunidades mais pobres, aproximando o homem da natureza e estimulando a convivência.
Seus ideais esbarram nos planos do prefeito Cícero (papel de Giancarlo Esposito), batizado em referência ao senador que desbaratou o complô de Lúcio Sérgio Catilina e que é considerado o maior orador romano. Outro antagonista é o banqueiro vivido por Jon Voight, Hamilton Crassus III, alusão a Marco Licínio Crasso, o homem mais rico da Roma Antiga. E há ainda o traiçoeiro Clódio Pulcher (Shia LaBeouf), figura excêntrica e populista como era Públio Clódio Pulcro.
Três personagens femininas são importantes. Uma delas é ausente, a esposa de Cesar Catilina, morta no passado em circunstâncias misteriosas. A segunda é a jornalista de TV Wow Platinum (Aubrey Plaza), que é casada com Crassus mas mantém um caso com Cesar. Por fim, temos Julia (Nathalie Emmanuel), filha do prefeito que vira par romântico do arquiteto depois de descobrir o superpoder do protagonista: o de congelar o tempo, uma metáfora visual para o talento artístico.
De certa forma, é isso o que Coppola faz em Megalópolis: congela o tempo, de modo que os 138 minutos parecem durar mais. E não enxerguei a suposta inventividade narrativa e estética elogiada por colegas. Aliás, não é por acaso que alguém já fez um vídeo comparando o filme com comerciais de perfume.
Só não dá para classificar como tediosa a experiência porque o filme é uma montanha-russa desconjuntada. Ora investe em citações filosóficas de Petrarca e Marco Aurélio, ora em cenas de uma multidão enfurecida. Ora se assemelha a um policial tradicional, ora a um delírio futurista. Ora defende o progresso social, ora uma visão antiquada (vide a caracterização de Clódio Pulcher, que associa o andrógino e o queer a desvios de caráter e de conduta, e a falta de voz das classes populares: é a elite que "sabe" das coisas, que tem a solução para os problemas urbanos). Ora tem personagens que se levam a sério demais (os de Adam Driver e Giancarlo Esposito), ora atores que abraçaram o ridículo, o exagero, a cafonice (casos de Aubrey Plaza, Jon Voight e Shia LaBeouf). Ora faz piada de cunho sexual ("Você é anal pra caramba, eu sou oral pra caramba", diz Wow a Cesar), ora humor involuntário (como os precários efeitos de computação gráfica).
Há ainda corrida de bigas, trapezistas sem rede de proteção, números musicais, cenas de sexo e, como bem define uma coadjuvante interpretada por Kathryn Hunter, muito blá-blá-blá. Das 12 pessoas presentes na sessão em que vi Megalópolis, a primeira desta quinta-feira no GNC Praia de Belas, quatro não resistiram até o final.
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