Assunto em alta no Brasil por causa das novas regras aprovadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o divórcio é o que provoca o doloroso conflito dramático de um filmaço da Netflix: História de um Casamento (Marriage Story, 2019), que ganhou o Oscar de atriz coadjuvante, para Laura Dern, e concorreu nas categorias de melhor filme, ator (Adam Driver), atriz (Scarlett Johansson), roteiro original (Noah Baumbach) e música (Randy Newman).
O estadunidense Baumbach já havia disputado o Oscar de roteiro original por um filme carregado de tintas autobiográficas, A Lula e a Baleia (2005), que mostra como dois irmãos adolescentes lidam com a separação dos pais. Embora ele negue, a trama de História de um Casamento parece ser inspirado no seu conturbado divórcio com a atriz Jennifer Jason Leigh, um processo iniciado em 2010, quando o filho do casal tinha sete meses, e só encerrado em 2013. Hoje, ele é o companheiro da cineasta e atriz Greta Gerwig, com quem escreveu Barbie (2023).
No filme, Adam Driver interpreta Charlie Barber, um diretor de teatro de Nova York amoroso mas autocentrado, um bom pai, mas talvez não um bom marido — um sujeito contraditório que serve de vitrine para o talento do ator em transitar do registro dramático ao cômico, às vezes na mesma cena. Scarlett Johansson, com muita entrega, encarna Nicole, a atriz musa de Charlie, a quem resolve deixar quando surge a oportunidade de protagonizar um seriado do outro lado do país, em Los Angeles.
Charlie e Nicole vão brigar pela guarda do filho, Henry (Azhy Robertson). Nessa arena, brilham também os advogados vividos por Laura Dern (a implacável Nora Fanshaw), Ray Liotta (o tubarão Jay Marotta) e Alan Alda (o afável Bert Spitz). Assim, História de um Casamento é uma espécie de herdeiro de Kramer vs. Kramer (1979), clássico sobre separações litigiosas que venceu o Oscar em cinco categorias: melhor filme, diretor (Robert Benton), ator (Dustin Hoffman), atriz coadjuvante (Meryl Streep) e roteiro adaptado. Este título está disponível na plataforma Max.
Na época de sua estreia na Netflix, História de um Casamento suscitou uma coleção de posts nas redes sociais. Muita gente se identificou com os personagens e as situações, ora encenadas com fúria ou sofridão, ora com leveza ou carinho, mas sempre com uma sinceridade acachapante: "É uma ilusão tola, se não uma completa hipocrisia, dizer que separações podem ser conduzidas sem traumas", escreveu uma amiga. "A raiva, a decepção e o desespero de ver escapar entre os dedos o que se construiu por anos passam com um rolo compressor por cima da razão. São discussões longas, ressentidas e difíceis a dos casamentos que precisam terminar. Quem prezou de verdade pelo que teve não se despede com um aperto de mão e com um 'vida que segue'".
Trata-se de um filme ao qual não se atravessa incólume. É um filme que nos cativa, nos provoca e nos assusta ao perguntar: o que fazer do amor quando um relacionamento acaba?
Qual é o destino de toda aquela intimidade e aquela cumplicidade, como as descritas por Charlie e Nicole nas cartas que escrevem um sobre o outro no começo da história?
O quanto nos dispomos a viver a vida com o outro — a viver a vida do outro?
O que justifica um fim?
Existem culpados?
As palavras duras que dizemos um ao outro, como naquela angustiante discussão do casal protagonista, são a verdade ou um exagero temperado pela ira e pelo ressentimento?
Como se vai um para cada lado quando há um filho no meio?
Como proteger os filhos se estamos em guerra?
Por que nos tribunais (tanto os formais quanto os informais), como diz a personagem de Laura Dern em um monólogo que praticamente valeu seu Oscar, espera-se a imperfeição dos pais, mas não se tolera a das mães?
É possível reatar os laços, mesmo que em um contexto diferente, como uma linda e singela cena — Nicole amarrando os cadarços de Charlie — simboliza?
Estar em um relacionamento é, como dizem os versos de Being Alive (composta por Stephen Sondheim) cantados por Adam Driver, ter "alguém para me segurar muito perto, alguém para me magoar muito fundo"?
O que é o amor se não algo que nos obriga a cuidar, a se importar, a nutrir esse sentimento?
Você sempre estará lá, com tanto temor quanto eu, para nos ajudar a sobreviver?
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