A plataforma de streaming MUBI adicionou recentemente a seu menu os dois filmes que compõem o projeto Grindhouse, lançado em 2007 por Quentin Tarantino e Robert Rodriguez: À Prova de Morte (Death Proof), assinado pelo primeiro, e Planeta Terror (Planet Terror), do segundo.
Foi uma homenagem dos cineastas às produções de baixo orçamento dos anos 1960 e 1970, os chamados "exploitations", que exploravam sexo, violência e horror e eram exibidos em sessões duplas nos cinemas. A precariedade e a baixa expectativa de retorno comercial convidavam diretores mais ambiciosos a serem mais criativos e mais arriscados. Na dobradinha, escreveu o crítico Roger Lerina à época da estreia de À Prova de Morte no Brasil, Tarantino e Rodriguez "revisitam com sincero entusiasmo o mundo dos filmes trash, evocado em aspectos como direção de arte, fotografia, trilha sonora e mesmo nos 'defeitos especiais' — riscos na imagem, som abafado, erros de continuidade e até avisos de 'rolo faltando'".
O fracasso de bilheteria nos cinemas dos EUA obrigou o desmembramento dos dois títulos na carreira internacional. Em Planeta Terror, Rodriguez filma uma trama típica de zumbis, ambientada em uma cidadezinha texana infectada por um gás que transforma todos em mortos-vivos carniceiros.
O diretor adiciona um toque político à história na figura do comandante militar (Bruce Willis) e sua tropa, que inclui um estuprador interpretado por Tarantino. A galeria de personagens tem ainda um mocinho latino baixote e uma dançarina, Cherry (Rose McGowan), cuja perna arrancada é absurdamente substituída por uma metralhadora.
O tributo de Tarantino é para o subgênero das perseguições de carro. À Prova de Morte acompanha os passos de Stuntman Mike (Kurt Russell, perfeito no papel), um dublê maníaco que adora matar garotas bonitas com seu carrão.
Emulando o clima das sessões duplas, o filme tem uma estrutura dois em um, com duas metades que se complementam: a noite do caçador e o dia da caça.
Na primeira parte, Mike observa e persegue um time de belas garotas que joga conversa fora e enche a cara em bares de beira de estrada. Na segunda, ele tenta repetir a dose, mas encontra pela frente gatas duras na queda (Rosario Dawson, Mary Elizabeth Winstead, Tracie Thoms e a dublê Zoë Bell), que protagonizam com ele uma sequência decalcada de Corrida Contra o Destino (1971), de Richard C. Sarafian — um dos carros é o mesmo Dodge Challenger branco.
À Prova de Morte caiu nas graças dos críticos franceses — foi eleito o segundo melhor filme de 2007 pela revista Cahiers du Cinèma. Mas sua pífia arrecadação (US$ 31 milhões, a segunda pior bilheteria mundial de Quentin Tarantino) e a recepção morna junto à imprensa dos EUA fizeram o diretor descer do pedestal.
Até então, ele colecionava sucessos de público e elogios da crítica, com Cães de Aluguel (1992), Pulp Fiction (1994), Jackie Brown (1997) e os dois volumes de Kill Bill (2003 e 2004). Como o jornalista e escritor inglês Ian Nathan recupera no livro Quentin Tarantino: O Cineasta Icônico e sua Obra, publicado no Brasil pela editora gaúcha Belas Letras, o fracasso do projeto Grindhouse alertou o cineasta de que não era um Midas do cinema. Isso "provocou um desejo crescente de não permitir que sua carreira caísse na mediocridade. Ele ia cumprir sua promessa (a de fazer apenas 10 longas-metragens, sendo que considera Kill Bill como um só) e depois se aposentar. Temia o declínio gradual de seus talentos: aqueles últimos filmes que deixam os críticos balançando a cabeça".
O plano de Tarantino é parar com a reputação ainda em alta. Ou, nas características palavras do próprio diretor, reproduzidas por Nathan, não dar à luz "um daqueles filmes que parecem um pau mole, velho e flácido e que te custam o equivalente a três bons filmes no que diz respeito a sua avaliação".
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