As chances de o Brasil voltar a competir no Oscar internacional são realmente grandes, mas não dá para menosprezar os mais de 80 filmes que vão disputar com Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, uma vaga na premiação da Academia de Hollywood. A lista com os cinco indicados sai no dia 17 de janeiro de 2025. Um mês antes, em 17 de dezembro, conheceremos os 15 semifinalistas.
Entre esses 15 semifinalistas, um bom candidato a aparecer é o representante do Chile, No Lugar da Outra (El Lugar de la Otra, 2024), disponível na Netflix desde sexta-feira (11). Afinal, a plataforma de streaming conseguiu indicações nas últimas três edições do Oscar internacional: o italiano A Mão de Deus, em 2022, o alemão Nada de Novo no Front, vencedor em 2023, e o espanhol A Sociedade da Neve, em 2024. E, ao longo desses 25 anos sem Brasil na categoria — a última vez foi em 1999, com Central do Brasil (1998) —, o cinema chileno se fez conhecer bastante por Hollywood.
O país andino concorreu na categoria com No (2012), de Pablo Larraín, e venceu com Uma Mulher Fantástica (2017), de Sebastián Lelio. Larraín, que é um dos produtores de No Lugar da Outra (chamado nos EUA de In Her Place), desenvolveu carreira no Exterior. Assinou Jackie (2016), cinebiografia de Jacqueline Kennedy Onassis que foi indicada às estatuetas douradas de atriz (Natalie Portman), figurinos e música original. Depois filmou Spencer (2021), sobre o último fim de semana da princesa Diana com a família real britânica, pelo qual Kristen Stewart competiu entre as atrizes. E agora está lançando Maria (2024), retrato da cantora de ópera Maria Callas que deve levar Angelina Jolie à premiação.
Já a diretora de No Lugar da Outra, Maite Alberdi, pode concorrer pela terceira vez ao Oscar em um intervalo de cinco anos. Ela realizou dois documentários indicados ao prêmio da categoria: Agente Duplo (2020), que acompanha um idoso infiltrado por um detetive em um lar geriátrico para investigar se uma mulher está sendo vítima de negligência e maus-tratos, e A Memória Infinita (2023), sobre um casal que precisa lidar com as graves consequências do Alzheimer — a esposa teme o dia em que o marido, diagnosticado há oito anos, não mais a reconhecerá.
No Lugar da Outra marca a estreia de Alberdi, 41 anos, na ficção. Mas é uma ficção baseada em uma história real e com algumas características que podem ser consideradas documentais, como o olhar sociológico, atento a detalhes. E novamente a cineasta vai além da aparência.
Agente Duplo começa em tom de comédia, vira uma trama detetivesca e termina com uma denúncia sobre o abandono dos idosos por suas famílias. A Memória Infinita usa a história de um casal para refletir sobre a relação da sociedade chilena com a ditadura militar. No Lugar da Outra, ao reconstituir um célebre caso da crônica policial do Chile, aborda a opressão do patriarcado e os papéis sociais impostos às mulheres.
O título em si é um achado, com um duplo sentido. Por um lado, remete às ações da protagonista do roteiro escrito por Inés Bortogaray e Paloma Salas a partir de uma das histórias narradas por Alia Trabucco Zerán no livro As Homicidas, publicado no Brasil em 2023 pela Fósforo Editora. Por outro, alude ao subtexto, à mensagem de sororidade: empatia e companheirismo são fundamentais para a população feminina diante do machismo estrutural e da misoginia.
O filme tem início na Santiago do Chile de 1955. Elisa Zulueta interpreta uma personagem ficcional, Mercedes, secretária do juiz Veloso (Marcial Tagle), casada com um fotógrafo e mãe de dois filhos adolescentes. Em casa, ela é sempre a última a comer (isso quando sobra o pão) e a última a tomar banho (isso quando sobra água). No trabalho, fica cada vez mais envolvida pelo crime passional cometido pela escritora María Carolina Geel (1913-1996), pseudônimo de Georgina Silva Jiménez (papel de Francisca Lewin), que assassinou seu amante, Roberto Pumarino, dentro do salão de chá do luxuoso Hotel Crillón.
Maite Alberdi costura as pontas da história com tom crítico, senso de humor e melancolia (reforçada por uma trilha sonora que às vezes escorrega para a pieguice). Registra o apetite voraz da imprensa por crimes cometidos por mulheres e ilustra preconceitos, do tipo: se uma mulher é divorciada, é porque tem problema, é difícil, é louca. Amparada pela atuação nuançada de Zulueta, a diretora é delicada o suficiente para evitar o maniqueísmo ou a vilanização dos personagens masculinos. E também exerce sensibilidade ao recorrer, em alguns momentos, à fantasia para tratar de questões bem reais e ainda presentes, como a desigualdade de gêneros e a busca por identidade e pertencimento.
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