Neste 7 de Setembro, Dia da Independência, a dica é assistir a filmes brasileiros.
Separei 10 títulos que estão em cartaz no cinema ou disponíveis em plataformas de streaming. São seis ficções e quatro documentários.
No conjunto da obra, os 10 — quase todos premiados — pintam um retrato do nosso país, da nossa história, de nossa gente, de nossos problemas e de nossos sonhos.
Cabra Marcado para Morrer (1984)
Primeira das grandes obras assinadas por Eduardo Coutinho (1933-2014), o mestre dos documentários, ganhou no Festival de Berlim o prêmio Fipresci, entregue pela federação internacional dos críticos de cinema. O filme é uma narrativa semidocumental da vida de João Pedro Teixeira, um líder camponês da Paraíba assassinado em 1962. Por causa do golpe militar em 1964, as filmagens foram interrompidas — parte da equipe acabou presa sob a alegação de "comunismo". Dezessete anos depois, Coutinho retomou o trabalho, recolhendo-se depoimentos dos camponeses que participaram das primeiras filmagens e também da viúva de João Pedro, Elizabeth, que desde dezembro de 1964 vivera na clandestinidade, separada dos filhos. (Globoplay)
Cidade de Deus (2002)
Este filme brasileiro se tornou um marco no cinema mundial. Concorreu ao Globo de Ouro de melhor longa internacional e disputou quatro categorias do Oscar: direção (Fernando Meirelles), roteiro adaptado (Bráulio Mantovani, a partir do romance homônimo de Paulo Lins), fotografia (César Charlone) e edição (Daniel Rezende). No Festival de Cannes, onde teve exibição fora de concurso, foi aplaudido em pé durante sete minutos. Entrou na lista dos 100 melhores de todos os tempos elaborada pela revista Time, em 2005, e no ranking da BBC com os 100 melhores filmes não falados em inglês — aparece na 42ª posição, sendo o único representante sul-americano e o único no idioma português.
Aspirante a fotígrafo, Buscapé (Alexandre Rodrigues) é quem nos guia pelas vielas de uma comunidade que foi construída para ser residência de funcionários públicos do antigo Estado da Guanabara, mas acabou virando endereço dos milhares de desabrigados pelas fortes chuvas do janeiro de 1966. Mais tarde, tornou-se um amontoado de concreto controlado por traficantes de drogas. Buscapé também nos orienta na estrutura fragmentada e circular de Cidade de Deus, que vai e volta na vida dos principais personagens — a forma narrativa, a ágil linguagem cinematográfica e até o universo retratado permitem paralelos com Os Bons Companheiros (1990), de Martin Scorsese, e Pulp Fiction (1994), de Tarantino. Em cena, estão tipos como Cabeleira (Jonathan Haagensen), o líder do Trio Ternura, grupo de ladrões que, na década de 1960, partilhava seus lucros com a população; Cenoura (Matheus Nachtergaele), traficante que terá papel decisivo na guerra deflagrada nos anos 1980; Mané Galinha (Seu Jorge), ex-atirador do Exército e hoje um honesto e carismático cobrador de ônibus; e, claro, Dadinho (Douglas Silva), o menino perverso que, ao crescer (papel de Leandro Firmino da Hora), cunha uma frase antológica do cinema nacional ao anunciar sua nova identidade: "Dadinho é o caralho, meu nome agora é Zé Pequeno, porra!". (Globoplay e Paramount+)
Tropa de Elite (2007)
Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, o filme de José Padilha sobre a guerra do tráfico no Rio provocou um intenso debate: o diretor condena ou exalta a violência na ação dos policiais? Para uns, Tropa de Elite é uma radiografia da realidade do combate ao crime no Brasil, que mostra como a polícia se tornou corrupta e abusiva; para outros, o cineasta transforma o capitão Nascimento (interpretado por Wagner Moura) em herói, um justiceiro que acaba impondo a ordem pela força, à margem da lei, como única alternativa possível em um cenário em que a própria sociedade financia o negócio das drogas. O longa-metragem gerou uma continuação, Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro (2010), em que o protagonista já não sobe os morros cariocas — tem de lidar com a corrupção de políticos e agentes da segurança pública e o surgimento das milícias. (Globoplay e Star+; Tropa de Elite 2 está disponível no Globoplay)
Branco Sai, Preto Fica (2014)
Essa foi a frase dita por um dos policiais que invadiram um baile de black music em Ceilândia, no Distrito Federal, em 1986. Combinando de forma inventiva o registro documental com a ficção científica, o diretor Adirley Queirós apresenta um contundente painel sobre a desigualdade racial no Brasil. Seus protagonistas são dois homens que arrastam os efeitos daquela noite violenta. Marquim do Tropa ficou paraplégico. Shockito — apresentado no filme como Sartana — perdeu uma perna. Hoje, Marquim, que é DJ, reconstitui a tragédia fazendo rap. Sartana, artesão, produz ou conserta próteses para outros mutilados. Há um terceiro personagem, o agente Dimas Cravalanças (interpretado por Dilmar Durães), que vem do futuro para provar os crimes cometidos pelo Estado contra os excluídos, de modo que haja indenização, reparação, Justiça. O documentário conquistou os Candangos de melhor filme, ator (Marquim do Tropa) e direção de arte em Brasília e o prêmio de melhor filme latino-americano no Festival de Mar del Plata. (Netflix)
Que Horas Ela Volta? (2015)
Premiado nos festivais de Berlim, Sundance (Estados Unidos) e São Paulo, o filme de Anna Muylaert mostra a relação e os conflitos entre patrões e domésticas. Em uma atuação arrebatadora, Regina Casé interpreta Val, empregada em uma casa de classe média alta em São Paulo. Ela é "da família", mas quando sua filha chega de Pernambuco para prestar vestibular, a garota começa a questionar a desigualdade social e a não se conformar com as interdições — nem sempre explícitas — impostas pela elite. Jéssica (Camila Márdila) não sabe nem quer saber de "seu lugar": ao contrário da mãe, ela já entende que a sociedade não é estática. (Globoplay e Netflix)
Bacurau (2019)
Na mistura de ficção científica, faroeste, terror, policial e drama político assinada pelos pelos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, o Brasil de "daqui a alguns anos" tornou-se um grande deserto. Não apenas geográfico, mas de ideias e de emoções. A população da pequena e fictícia Bacurau, no sertão nordestino, aparece como presa fácil para um safári humano engendrado por estrangeiros. As ruínas de uma escola municipal, um carro de polícia enferrujado e os caixões que caem pela estrada simbolizam a falência do Estado. É a morte em abundância, a morte banalizada, uma espécie de profecia sobre o que se viu na pandemia pouco tempo depois da estreia do filme, que dividiu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes com a produção francesa Os Miseráveis. (Globoplay)
5 Casas (2020)
Lançado no Festival de Amsterdã, na Holanda, em 2020, e vencedor dos troféus de melhor filme e roteiro no Cine Ceará, em 2021, o documentário do diretor gaúcho Bruno Gularte Barreto saiu do 50º Festival de Gramado, em agosto, com quatro Kikitos: melhor longa, direção, montagem (Vicente Moreno) e o prêmio do Júri Popular. A trama se passa em Dom Pedrito, município com 38 mil habitantes localizada entre Santana do Livramento e Bagé, na fronteira com o Uruguai. É o lugar onde nasceu e cresceu Barreto, que na infância perdeu a mãe e o pai em um intervalo de quatro anos. Muito tempo depois de ter saído de lá, ele retorna para lidar com as próprias memórias e com as pessoas que deixou para trás quando foi embora, como o cineasta diz na narração. O que começa como uma viagem interior se transforma em um retrato do Interior, no qual as tintas do afeto e da simplicidade dividem a paleta com algumas cores mais sombrias: a exploração da mão de obra campeira, o uso de agrotóxicos, o racismo, a homofobia, o bullying, a especulação imobiliária, o desamparo dos mais velhos, o apagamento, o silenciamento. (Estreia nesta quinta-feira, 8/9, na Cinemateca Capitólio e no Espaço Bourbon Country, e entra em cartaz no sábado, 10/9, na Sala Eduardo Hirtz)
A Última Floresta (2021)
Alternando registros observacionais e encenações, o documentário de Luiz Bolognesi ganhou o prêmio do público na mostra Panorama do Festival de Berlim. Com roteiro escrito pelo diretor em parceria com Davi Kopenawa, escritor, xamã e líder político ianomâmi, o filme denuncia o descaso com indígenas ao longo dos séculos, agravado com a pandemia de covid-19. Acompanhamos a rotina de um grupo que vive isolado, em um território ao norte do Brasil e ao sul da Venezuela, há mais de mil anos. O xamã busca proteger as tradições de sua comunidade e relatá-las para o homem branco que, segundo ele, nunca os viu, nem os ouviu. Ao mesmo tempo, Kopenawa e seu grupo lutam para que garimpeiros, que atuam ilegalmente no território, sejam retirados. (Netflix)
Marte Um (2022)
Escolhido para representar o Brasil na disputa por uma vaga no Oscar de melhor filme internacional, o longa do diretor mineiro Gabriel Martins saiu do 50º Festival de Gramado com quatro Kikitos: melhor roteiro, música, o troféu do júri popular e o Prêmio Especial do Júri, concedido por causa do grande afeto que se vê na tela. Marte Um fala dos sonhos e dos perrengues de uma família negra da periferia de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. A história começa em 28 de outubro de 2018. Enquanto um telejornal anuncia a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência e fogos de artifício ecoam nas ruas, um menino mira o céu. Ele é Deivid, o Deivizinho (Cícero Lucas), filho de Wellington (Carlos Francisco) e de Tércia (Rejane Faria) e irmão caçula de Eunice, a Nina (Camilla Damião). Essa família vai tendo suas personalidades e seus conflitos apresentados sem pressa, mas com foco. Deivizinho é um craque do futebol de várzea, mas sonha em ser astrofísico e participar de uma missão que em 2030 pretende iniciar a colonização de Marte. Wellington, porteiro em um condomínio de classe alta, se orgulha de estar há quatro anos sem beber e sonha com o ingresso do filho no seu time de coração, o Cruzeiro. O sonho de Nina é alugar um apartamento para ir morar com a namorada, mas os pais não sabem disso. Tércia, que é faxineira, não sonha: tem pesadelos e sofre de insônia desde que foi vítima de uma pegadinha de mau gosto em uma lanchonete. À medida que as jornadas convergem e os personagens divergem, o que começou em tom de comédia dramática passa a roçar na tragédia. Mas Marte Um, como diz a sinopse oficial, é um filme sobre sonhos e estrelas. Um filme sobre esperança e otimismo, um filme que ilumina a alma. (Em cartaz no CineBancários, no Espaço Bourbon Country e, a partir de sábado, 10/9, na Sala Paulo Amorim)
Seguindo Todos os Protocolos (2022)
O filme escrito, dirigido e protagonizado pelo pernambucano Fábio Leal talvez seja o melhor retrato ficcional da vida sob o signo do coronavírus — e, em que pese a duração de apenas 74 minutos, o mais completo sobre o cenário brasileiro. Na trama, rodada quase toda em um apartamento de Recife, o protagonista, Chico, tenta encontrar um meio de aplacar sua solidão: mas como transar seguindo todos os protocolos sanitários? O que começa em tom mais de comédia oferece passagens dramáticas ou mesmo tensas e momentos tocantes de romantismo e de erotismo, até desaguar em uma sequência absolutamente poética: um passeio motociclístico noturno embalado por Amor e Sina, belíssima canção composta por Luiz Amaro Fortes e interpretada pela voz inebriante de Sophia Ardessore. (Disponível nas plataformas Claro TV, O2 Play e Vivo Play)