O filme da Tela Quente desta segunda-feira (25) — O Sequestro (Kidnap, 2017), de Luis Prieto, em cartaz a partir das 23h55min na RBS TV — é um suspense de trama genérica, mas com uma protagonista excepcional: Halle Berry.
Ela interpreta Karla Dyson, garçonete de uma lanchonete e mãe dedicada do pequeno Frankie. Um dia, ao atender o telefone em um parque, ela descobre que o garoto simplesmente desapareceu. Ao vê-lo sendo colocado dentro de um carro, Karla parte em uma busca desesperada.
Berry é excepcional porque, 20 anos atrás, em 24 de março de 2002, tornou-se a primeira negra a vencer o Oscar de melhor atriz, pelo papel em A Última Ceia (Monster's Ball, 2001). No filme dirigido por Marc Forster, era a viúva de um bandido que acaba se envolvendo com o carcereiro racista (Billy Bob Thornton) do marido.
Para a comunidade afro-americana, aquela foi uma noite histórica da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood: em cerimônia comandada por Whoopi Goldberg, Sidney Poitier (1927-2022) recebeu um Oscar honorário; Denzel Washington, de Um Dia de Treinamento, foi o segundo negro eleito o melhor ator, quase 40 anos após Poitier ganhar por Uma Voz nas Sombras (1963); e Berry conquistou o que outras seis artistas haviam tentado.
A pioneira foi Dorothy Dandridge, a quem a própria Halle Berry interpretou em um filme (Dorothy Dandridge: O Brilho de uma Estrela, de 1999) que lhe valeu o Emmy e o Globo de Ouro. Dandridge concorreu pelo musical Carmen Jones (1954), versão ambientada na Segunda Guerra Mundial da clássica história sobre uma cigana espanhola. Empregada de uma fábrica de paraquedas, Carmen é desejada por todos, mas deseja apenas um: o soldado Joe (o ator e cantor Harry Belafonte). A atriz viu o Oscar ir para Grace Kelly (Amar É Sofrer). Loiras como a futura princesa de Mônaco, Marilyn Monroe e Veronica Lake ditavam o padrão de beleza da época.
Fora de cena, o racismo era mais desvelado. Cantora e entertainer, Dandridge era proibida de se hospedar em hotéis nos quais apresentava seu show. Com uma vida marcada por decepções amorosas, engodos financeiros e dramas familiares (sua única filha ficou sem oxigênio no parto e acabou confinada em um hospital psiquiátrico), morreu de uma overdose de antidepressivos, em 1965. Tinha 42 anos.
Depois, vieram as indicações para Diana Ross (O Ocaso de uma Estrela, 1972), Cicely Tyson (Lágrimas de Esperança, 1972), Diahann Carroll (Claudine, 1974), Whoopi Goldberg (A Cor Púrpura, 1985) e Angela Bassett (Tina: A Verdadeira História de Tina Turner, 1993). À época, a vitória de Halle Berry foi considerada um divisor de águas. Mas, nos 20 anos seguintes, nenhuma outra atriz negra ganhou o Oscar — nesse mesmo período, houve três estatuetas de melhor ator para negros: Jamie Foxx (Ray, em 2005), Forest Whitaker (O Último Rei da Escócia, em 2007) e Will Smith (King Richard: Criando Campeãs, em 2022).
— Aquilo não abriu portas. O fato de não haver ninguém do meu lado é de partir o coração — disse Berry, 55 anos, em entrevista ao jornal The New York Times em março.
As estatísticas do Oscar expõem em números a desigualdade e, por consequência, ajudam a explicar por que a façanha não se repetiu. De 2003 a 2022, houve 100 indicações na categoria de melhor atriz. Apenas sete foram para artistas negras: Gabourey Sidibe (Preciosa, em 2010), Viola Davis (Histórias Cruzadas, 2012), Quevenzhané Wallis (Indomável Sonhadora, 2013), Ruth Negga (Loving, 2017), Cynthia Erivo (Harriet, 2020), Andra Day (Estados Unidos vs Billie Holiday, 2021) e de novo Viola Davis (A Voz Suprema do Blues, 2021).
O Oscar tampouco foi um divisor de águas na carreira de Halle Berry. Por um lado, ela teve alguns sucessos comerciais, como a mutante Tempestade nos filmes da franquia X-Men, a espiã Jinx em 007: Um Novo Dia para Morrer (2002) e a Sofia de John Wick 3: Parabellum (2019), com seus cachorros supertreinados. Por outro, nunca mais disputou a estatueta e até "ganhou" um Framboesa de Ouro pelo fiasco Mulher-Gato (2004). Demonstrando fibra, a estrela tornou-se a primeira atriz a receber pessoalmente o troféu de galhofa criado por um jornalista de Hollywood.
Recentemente, ela voltou aos holofotes ao estrear como diretora. Em Ferida (Bruised, 2020, disponível na Netflix), Berry, de certa forma, espelha os altos e baixos de sua própria trajetória. Além de trabalhar atrás das câmeras, ela também faz o papel principal, o de Jackie Justice, uma decadente ex-lutadora de MMA que recebe sua última chance de voltar aos ringues e recuperar a carreira.