Celebra-se neste domingo, 5 de dezembro, os 120 anos de nascimento do homem que se tornou sinônimo de fantasia e de família: Walt Disney.
Eis um nome mágico. Basta pronunciá-lo para levar as pessoas ao mundo dos mitos. Pode ser você, seus filhos, seus netos, seus pais ou até seus avós: o imaginário de pelo menos cinco gerações de crianças no Ocidente está marcado por personagens que a empresa de Disney criou — Mickey, Pato Donald, Pateta, Zé Carioca — ou a quem deu a feição definitiva, como Branca de Neve e os Sete Anões, Pinóquio e Peter Pan.
O câncer de pulmão matou Disney em 15 de dezembro de 1966, aos 65 anos. O empresário não viu surgir O Rei Leão e a princesa Elsa. Mas ambos são seus filhos — se não de corpo, por certo de espírito. Porque o mais famoso produtor de desenhos animados soube passar a herdeiros seu ideal: a Disney conta histórias com uma moral básica sobre a vida e a humanidade, com final feliz, para manter a esperança do público.
— O que Disney fez foi resgatar os sonhos, os mitos, a fantasia e a arte que são os alicerces do imaginário, trazendo tudo isso para um imaginário tecnológico, para um tempo, o pós-moderno, em que essas questões eram descuidadas — disse, no centenário, Maria Beatriz Rahde, doutora em Educação e Comunicação e professora da Famecos.
Mickey e Branca de Neve
Disney virou, ele próprio, um mito. Nascido em 5 de dezembro de 1901, em Chicago, nos Estados Unidos, descendente de irlandeses, canadenses e alemães, Walter Elias Disney cresceu entre o Missouri e o Kansas. Começou a desenhar ainda criança e, em 1923, mudou-se para Hollywood.
Lá, produziu a série Alice na Terra do Desenho Animado, abriu um estúdio com seu irmão, Roy, e se casou com a colorista Lillian Bounds (1899-1997). Em 1928, fez o curta O Barco a Vapor, com desenhos de Ub Iwerks, a primeira animação com som sincronizado. Dublado pelo próprio Disney, estreava o ratinho Mickey (e sua eterna namorada, a Minnie).
Com artistas como Iwerks, Carl Barks e Floyd Gottfredson, o empresário criou tiras de jornais, gibis e tipos como Pluto, Pateta e Pato Donald. Em 1937, após três anos de trabalho, lançou Branca de Neve e os Sete Anões, primeiro longa-metragem animado da história. Consumiu tanto dinheiro — US$ 1,5 milhão, uma fortuna à época — e energia que Hollywood só se referia a Branca de Neve como "a loucura de Disney". Mas fez tanto sucesso que Disney não só pagou as dívidas, como construiu um estúdio na Califórnia.
O filme foi a maior bilheteria dos EUA durante 10 anos. Ganhou um Oscar pela inovação tecnológica: a "câmera múltipla", que, por meio de uma série de níveis de acetato, permitiu a profundidade de campo no desenho animado.
Pinóquio (1940), Fantasia (1940), Dumbo (1941), Bambi (1942), Cinderela (1950), A Dama e o Vagabundo (1955), Mary Poppins (1964)... A lista de clássicos produzidos nos tempos de Walt Disney é extensa. Ele criou também um personagem brasileiro, o Zé Carioca (1943), e fundou a Disneylândia, em 1955, na Califórnia — em 1971, foi erguido o parque Walt Disney World, na Flórida.
Herói ou vilão?
Após uma entressafra, A Pequena Sereia (1989) se tornou o ponto de partida de uma nova e rica fase. Depois viriam títulos como A Bela e a Fera (1991), primeiro desenho indicado ao Oscar de melhor filme, as bilheterias bilionárias de Frozen (2013) e sua continuação (2019), as obras da Pixar, a compra da saga Star Wars e do Universo Cinematográfico Marvel.
Tudo isso é o lado luminoso de Disney. Para muitos, porém, o herói das crianças tem um lado vilanesco.
Nos anos 1970, o chileno Ariel Dorfman e o belga Armand Mattelart escreveram Para Ler o Pato Donald, um livro que denunciava o conteúdo imperialista dos quadrinhos de Disney. Os autores também chamavam a atenção para a ausência de progenitores. A falta de pais voltou à tona em 1993, quando o estadunidense Marc Eliot lançou o livro Walt Disney: O Príncipe Sombrio de Hollywood. Essa biografia sustenta que o pai de Disney, Elias, era um monstro que batia nas crianças e que Walt achava que era filho adotivo. Ao mesmo passo, Walt Disney desprezava Sharon Mae (1936-1993), adotada por pressão de sua esposa, Lillian. O casal havia demorado oito anos para conseguir gerar uma filha biológica, Diane (1933-2013) — especula-se que o marido tinha problemas de infertilidade ou impotência sexual. Não parece ser por acaso que personagens de muitas obras do estúdio buscam harmonia e laços familiares.
Eliot também acusou Disney de simpatia pelos nazistas, de delação de companheiros comunistas de Hollywood e de ser um aproveitador de talentos alheios (seus colaboradores quase nunca eram creditados). Esse lado perverso foi corroborado em 2006, quando surgiu outra biografia, Walt Disney: O Triunfo da Imaginação Americana, escrita pelo conceituado jornalista Neal Gabler. Segundo o livro, Disney tratava mal os seus empregados, inclusive seu irmão, Roy. Quando trabalhadores tentaram formar um sindicato, o empresário contratou seguranças armados, despediu os mentores da ideia e reduziu salários. Por outro lado, consta que, quando Branca de Neve e os Sete Anões se tornou um sucesso de bilheteria, o patrão distribuiu um bônus entre os empregados, algo que era muito incomum à época.
Gabler também focou na questão da família. A certa altura da vida, Walt começou a ignorar a esposa e as duas filhas. Refugiava-se na sua mansão e brincava com um trenzinho que tinha em casa, que percorria uma longa ferrovia montada através de vários cômodos. Como aquele trem que aparece nas vinhetas da Disney.
Visita e duas ruas em Porto Alegre
Walt Disney tem ligações com Porto Alegre. A coluna Perimetral, de ZH, publicou em julho de 2019 o seguinte relato:
"Era o início da tarde de 8 de setembro de 1941. Em uma escala entre Rio de Janeiro e Buenos Aires, o produtor cinematográfico Walt Disney fez visita relâmpago a Porto Alegre.
Nem saiu do antigo campo de pouso da Air France, mas recebeu fãs, deu entrevistas e conversou com o escritor gaúcho Erico Verissimo — meses antes, os dois já haviam se encontrado em Los Angeles, nos Estados Unidos.
Trinta anos depois, em setembro de 1971, uma lei daria o nome do empresário a uma rua da Capital. Localizada no bairro São Sebastião, na Zona Norte, a Rua Walt Disney tem cerca de 250 metros e é perpendicular às ruas Presidente Juarez e Monteverdi, perpassando a Praça PM Figueiredo.
O aposentado Antônio José Marques mora ali há três anos. Enquanto varre a calçada na altura do número 26, conta como é viver na rua que faz homenagem ao " pai" do Mickey.
— Às vezes, peço corrida por aplicativo daqui até a Rua Nova York. Os motoristas dizem: Opa, vamos da Disney para Nova York? — diverte-se.
A quase 12 quilômetros dali, na zona leste, moradores também têm uma Rua Walt Disney para chamar de sua. No bairro Lomba do Pinheiro, entretanto, não foi uma lei que estabeleceu a nomenclatura da via, mas a própria comunidade.
— Me sinto na Disney! Acho linda a minha rua — diz a aposentada Jussara Nunes, que mora há mais de 30 anos na altura do número 281.
Apesar de o nome não ser oficial — a cidade não pode ter duas ruas com a mesma denominação —, a prefeitura o reconhece, e há inclusive uma placa de identificação em uma das extremidades, próximo à Estrada João de Oliveira Remião. Pavimentada e com cerca de 430 metros de comprimento, a via encontra na outra ponta a Rua Borba Gato.
Lá em 1941, o gênio que há pouco havia lançado o clássico Fantasia jamais imaginaria que seu nome batizaria duas vias na cidade em que permaneceu por tão pouco tempo. Para Dona Jussara e Seu Antônio — que até então achavam que suas ruas eram únicas —, morar na Walt Disney é quase um sentimento mágico."