O caso de racismo que aconteceu no último sábado (17), em Porto Alegre, onde Everton Henrique, um homem negro, foi atacado com uma faca por Sérgio Camargo, um homem branco, e logo após detido pela Brigada Militar foi mais um exemplo de situação das quais eu e meus semelhantes passamos diariamente, que desperta medo, além de gatilhos e revolta. Medo porque, quando chega a polícia, não nos sentimos seguros, é imprevisível saber o que pode acontecer nesse tipo de ocorrência policial.
Entre muitas reivindicações que vi nos últimos dias, para mim se destacou a volta do debate sobre a desmilitarização da polícia, nessa caso da Brigada, porque a investigação para apurar se houve excesso ou algum tipo de abuso por parte dos agentes é feita pela corregedoria da própria corporação, conforme a cartilha militar.
Sempre que se fala sobre desmilitarização da polícia, surge uma enxurrada de comentários prós e contras. Inclusive, nessa semana, comentei em uma publicação da GZH no Instagram em relação à apuração de como ocorreu a abordagem da BM, que gerou bastante debate. É um tópico que divide muitas opiniões, mas entendo que já passou da hora de termos um debate sério abrangendo todas as áreas envolvidas — polícia, sociedade civil e governo para que alguma providência seja tomada. O que acontece, atualmente, é um show de impunidade devido ao status especial que a corporação tem (estar vinculada ao exército).
Veja bem: a maior parte do trabalho da BM é civil, a atividade de policiamento em si é civil, o ambiente em que atuam é predominantemente civil e eles lidam com civis na vasta maioria dos casos. Avançaríamos diversos passos na direção certa se os policiais fossem mais próximos do cidadão. O trabalho de patrulhamento, o policiamento comunitário e a prevenção são aspectos importantes da função. Seriam melhorados exponencialmente se a Brigada trocasse seu caráter militar para um mais civil, humanizado. Não há motivo para termos policiais com treinamento e doutrina militar, não há um inimigo a ser combatido.
Entendo que não é algo tão simples de ser feito, várias mudanças estruturais seriam necessárias, porém vejo até mesmo essas mudanças como positivas. A polícia militar no Brasil, diferentemente de outros lugares do mundo, não faz autuações e investigações direcionadas pela Justiça, o que é um desperdício, pois com esse acréscimo de efetivo possivelmente teríamos uma resolução de casos muito maior. Essa junção entre polícias civil e militar poderia ser extremamente benéfica para a população. Isso poderia também melhorar as condições de trabalho dos próprios agentes da BM, pois, pela lei atual, não é permitido que entrem em greve ou façam reivindicações salariais.
Independentemente de desmilitarização ou não, os dados alarmantes de violência policial não mentem. Por isso, é imprescindível haver algum tipo de mudança. Observem o que diz o anuário brasileiro de segurança pública de 2023: “83% dos mortos pela polícia em 2022 no Brasil eram negros, 76% tinham entre 12 e 29 anos. Jovens negros, majoritariamente pobres e residentes das periferias, seguem sendo alvo preferencial da letalidade policial”.
Também destaco outro trecho da seção sobre intervenções policiais: “Os números observados contrariam a narrativa padrão de uso proporcional e reativo da força policial, de que as mortes ocorreriam em decorrência de confrontos”.
É revoltante e extremamente triste ver um caso tão explícito de racismo. Aí vem sempre as pergunta: até quando? Para mim, é incompreensível que uma pessoa não veja claramente que precisamos de mudança, mesmo que não faça parte do grupo diretamente afetado. Precisamos avançar o debate, precisamos do apoio de todos.