Chegamos ao fim de novembro, mês da consciência negra. Ao longo desse período, como tem sido comum, tivemos diversas reportagens, notícias e finalmente um feriado decretado em todo o território nacional. A cada ano que passa, vejo uma evolução no debate e uma maior conscientização do grande público, o que significa que a sociedade está reconhecendo o racismo como um problema estrutural o qual deve ser urgentemente combatido, apesar de ainda existir muita resistência. Tamanha resistência parte muito da falta de entendimento que algumas pessoas têm sobre o que realmente é a consciência negra e para que ela serve, mas observo que, aos poucos, a data tem sido mais amplamente aceita.
Já faz mais de um ano que escrevo para a Zero Hora e, embora já tenha opinado em anos anteriores, nunca acho fácil escrever textos de consciência negra ou com temática racial, mas não pelo tema em si e sim pela dificuldade de colocar em palavras os sentimentos que evocam quando falo sobre isso. Existe uma espécie de “entendimento” errôneo de que pessoas negras têm facilidade em falar sobre esses temas por terem lugar de fala, mas acredito que justamente por serem os principais envolvidos, isso se torna mais difícil.
E partindo disso, acredito que quanto mais racialmente consciente alguém é, mais sensível e suscetível essa pessoa se torna a situações envolvendo raça. Levando em consideração que diariamente existem muitas situações de micro e macro violências que pessoas negras sofrem, é de se imaginar como fica a cabeça dessa população ao viver uma vida inteira assim. Acredito que isso é uma coisa pouco falada quando falamos de consciência negra — os conscientes são os que mais sofrem.
Entender que, para sermos minimamente reconhecidos e conquistarmos nossos objetivos, temos que nos esforçar duas ou três vezes mais, em função de ter todo um sistema estabelecido para dificultar a vida. Acaba se tornando uma grande carga mental ao longo do tempo e mesmo quando atingimos o que queremos, estamos fadados a ficar eternamente vigilantes a qualquer erro ou deslize — pois eles não são perdoados. Isso cria uma geração inteira de pessoas que não conseguem apreciar suas conquistas. Por termos uma maior sensibilidade a situações de micro violência, diariamente somos machucados, mesmo que pouco, e esse dano a longo prazo pode ser perigoso.
As micro violências são ocorrências que podem parecer bobas, mas quando se é negro, elas machucam. Um exemplo clássico de micro violência é sermos confundidos com vendedores em lojas ou garçons em restaurantes, independentemente da roupa que estamos usando. É quando pessoas te elogiam dizendo que “nossa, como tu fala bem” ou quando se surpreendem quando tu dizes que tem uma graduação de ensino superior. Esses tipos de episódios são tão comuns na vivência de uma pessoa negra que é muito difícil passar algum tempo sem vivenciá-los.
Um exemplo clássico de micro violência é sermos confundidos com vendedores em lojas ou garçons em restaurantes
Talvez cada vez mais precisemos trabalhar a consciência negra dessa forma. Conscientizando ou quem sabe até, se me permitem dizer, recondicionando pessoas a verem que pessoas negras podem frequentar os mais diferentes espaços, podem ser consumidores em restaurantes e lojas, se formar em universidades e “falar bem”. Me parece que passamos muito tempo patinando no mesmo lugar de que apenas agressões verbais ou físicas são racismo ou que apenas elas devem ser combatidas.
A consciência negra serve, também, para mostrar que devemos prestar atenção às “pequenas” coisas.