Kaick da Silva Ferreira. Kauê Pedroso dos Santos. Edson Luiz Machado Neto. Nomes que à primeira vista parecem não ter relação alguma. Jovens que, no entanto, dividem o mesmo sonho, ainda que estando em lugares diferentes e de famílias sem qualquer parentesco.
Meninos negros que almejam chegar aos times profissionais de Grêmio, Brasil-Pel e Inter, respectivamente. Trajetórias que se assemelham em um aspecto em especial. Todos, mesmo com pouca idade, já foram vítimas de casos de racismo enquanto jogavam futebol.
Kaick tem 18 anos e é volante do time sub-20 do Grêmio. Começou a jogar por incentivo do pai, que o levava para as peladas que disputava no Rio de Janeiro. De uma família e situação de risco social, ficou perto de abandonar o sonho depois da morte da avó, do desemprego dos pais e da dificuldade da família até para conseguir comida.
— O futebol é tudo. Eu jogo futebol porque eu amo. Já pensei em desistir, quando minha avó morreu. Mas pensei nos dias em que ela falava para eu não desistir, que seria um jogador de futebol e iria aparecer na TV. O futebol é a minha vida — contou ao ge.globo em 2019.
Em 2022, enquanto disputava o Torneio Canteras de America, em Rosário, na Argentina, foi vítima de racismo:
— Os torcedores estavam gritando e falando “macaco, macaco” e foi um negócio muito constrangedor, até porque deu confusão. Deu briga e foi algo muito triste. Por nós sermos negros, somos vistos com outros olhos, e isso muitas vezes nos machuca. Mas é o mundo que a gente vive, e a gente tem que ser forte.
Outros casos
Na equipe sub-17 do Inter, outro menino veste a cor vermelha, mas alimenta o mesmo objetivo. Edson tem 16 anos e é zagueiro. Natural de Canoas, foi o pai que o incentivou a virar jogador de futebol. Assim como Kaick, viveu o pior lado do mundo da bola, ainda muito jovem.
— Na sub-11, quando eu fui jogar um campeonato pela Academia da Roma, sofri racismo em um jogo contra o Novo Hamburgo. Em um lance onde eu ganhei a dividida de um menino, os pais dele me chamaram de marginal, me chamaram de negro marginal. Na hora, parou o jogo, meus pais foram atrás e a gente foi para a delegacia para resolver isso. Os pais foram punidos. A torcida deles foi punida, acho que por alguns jogos — relembra o zagueiro do Inter.
Kauê Pedroso dos Santos é Cebola, atacante de 17 anos da base do Brasil-Pel. Quatro anos atrás, começou a fazer testes e alimenta o sonho de ser jogador profissional, com o objetivo de mudar sua vida e da família.
— Falaram “ó, pode marcar esse macaco, não deixa ele passar”. O meu treinador pegou a bola, parou o jogo e tirou o time de campo por isso. Nós saímos e não jogamos mais. Minha vó falou: “Isso não vai acontecer uma ou duas, vai acontecer várias e você tem que dar a volta por cima”. Se eu fico na minha vila de capuz e passa a polícia, eu sou abordado. Se eu fico com cabelo black, sou abordado.
Ídolos
Antes dos 20 anos sabem que, por serem negros, precisam se esforçar duplamente para alcançarem seus objetivos, como já cantou Mano Brown na música "A Vida É Desafio". “Desde cedo a mãe da gente fala assim: filho, por você ser preto tem que ser duas vezes melhor / Aí passado alguns anos eu pensei: como ser duas vezes melhor se você tá pelo menos cem vezes atrasado pela escravidão, pela história, pelo preconceito”.
Os três têm uma outra similaridade, compartilham de ídolos semelhantes: Pelé, Kanté, Vinicius Junior e Raphinha. Todos homens negros, criados e crescidos no futebol.
Atletas que vivem e convivem com vozes marcantes da luta antirracista, Kaick, Edson e Cebola são o futuro de uma luta que começou com Tarciso e que tem em Roger Machado um grande expoente. São jovens assim que serão responsáveis por não deixarem o assunto virar em algo esquecido na cabeça de quem vive e consome futebol, mas também nos quatro cantos do mundo.