Entre os maiores ídolos da história do Grêmio está um menino nascido no interior de Minas Gerais, na pequena São Geraldo. José Tarciso de Sousa, que morreu em 2018, aos 67 anos, tem uma história que se mistura com a do Tricolor, com gols, vitórias, mas também com a importância da representatividade negra no Rio Grande do Sul.
Ele esteve presente na conquista do Gauchão de 1977, que quebrou a hegemonia de oito anos do Inter no Rio Grande do Sul. A partir daí, enfileirou títulos: ergueu o Brasileirão de 1981, a Libertadores e o Mundial em 1983.
Mas o maior troféu conquistado pelo mineiro radicado em Porto Alegre (elegeu-se vereador três vezes na Capital) foi o legado social deixado por Tarciso. Em um tempo que o racismo não era criminalizado, o ex-atacante lutou contra o preconceito e contra a desigualdade. Em 2015, em um evento, ele relatou que muitas vezes sofreu preconceito, mas que tinha que passar por cima, pois o seu foco era jogar futebol. O que mais o magoava e o fazia sofrer era o preconceito que vinha de dentro do campo, de colegas de profissão.
— O preconceito racial dentro de campo, seja de treinador, jogador, diretor, presidente, não pode mais. O jogador de futebol, o ídolo, ele tem um poder que às vezes não é falado para ele, ele desconhece esse poder que tem de transformar as crianças, para o bem e para o mal — disse, em 2015, o atleta com o maior número de partidas no Tricolor.
— Eu tenho certeza de que ele representou e segue representando muito o Grêmio. É um símbolo de perseverança, que transcendeu e conquistou tudo que pôde conquistar dentro do clube. É um cara que lutou contra o preconceito, contra a desigualdade, então acho que isso se forja junto com a história do Grêmio — relembra Marcelo Andrade, filho do ex-jogador.
Tarciso é o atleta que mais vezes vestiu a camisa tricolor (723 jogos) e o segundo maior artilheiro, com 228 gols. Desses, 127 gols no Olímpico.
— O futebol é uma via de ascensão social, de integração social, que abriu perspectiva da população negra para se inserir socialmente aqui em Porto Alegre, mas também por todo o Brasil. O principal legado que a organização social da população negra por meio do futebol nos deixa é essa perspectiva de manutenção dessas matrizes de cultura de origem africana — explica José Antônio dos Santos, professor da Faculdade de Educação da UFRGS e autor do livro "A Liga da Canela Preta, a história do negro no futebol".
Em determinado momento, um apelido passou a ser embutido em seu nome.
— Flecha Negra, porque o Grêmio às vezes jogava em contra-ataque. Ele sempre estava na ponta direita e saía em velocidade. Tinha até aquela questão que a torcida estava sentada naquela arquibancada e quando o Tarcísio arrancava, todo mundo se levantava para ver a jogada dele de contragolpe, que normalmente resultava em gols. Foi um sucesso entre o título estadual de 1977 e o Mundial de 1983 — registra Daison Santana, historiador do Museu do Grêmio.
Fora dos campos, também deixou seu nome na história. Em 1990, ao lado do ex-lateral gremista Mânica e do professor de educação física Mauro Rocha, o Flecha Negra montou uma escolinha de futebol na zona sul da capital chamada "Gauchito". O projeto social funcionou por 10 anos, atendendo crianças de 5 a 13 anos de idade.
A história escrita no Grêmio e a vida posterior ao Tricolor propiciaram a Tarciso uma honra concedida para poucos. Desde o ano passado, a equipe gaúcha está representada pelo Flecha Negra, o novo mascote oficial do clube.
— Eu acho que o meu pai representou o atleta negro, não só do Rio Grande do Sul, mas do Brasil em geral. A partir do momento que ele se torna uma pessoa com notoriedade no cenário nacional, eu acho que ele leva a imagem do negro dentro do futebol, que o esporte pode dar oportunidade pra pessoas negras. Vão passar gerações, 100, 200 anos, o Grêmio vai estar aí, e a história do Tarciso Flecha Negra também. O jogador negro que venceu e hoje tem o mascote como legado para luta da desigualdade e do preconceito — destaca o filho do ídolo tricolor.
Mais do que simples números, a figura de Tarciso representada no Flecha Negra mostra a importância do ex-jogador para que o clube reafirme sua pluralidade em uma sociedade que ainda engatinha em ações contra o racismo.