Você já ouviu a frase “amor preto cura”? É uma frase muito utilizada nas redes sociais quando há discussões sobre relacionamentos. Com a multiplicação dos mais variados fóruns de debate online, existem cada vez mais espaços de troca e vivência para a população negra, o que possibilita uma série de novas interações e estudos sobre cor, raça e até mesmo gênero. Dentro desse leque de interações, surgiu, também, uma palavra muito utilizada que talvez sintetize minha frase inicial: aquilombamento.
Primeiramente, penso que o termo tem sido ressignificado nos últimos tempos e na era atual tem se tornado extremamente importante. Vemos a população se afastando cada vez mais e, a cada década que passa, tenho a impressão de que como seres humanos estamos nos desconectando, mesmo que tenhamos tecnologias e meios que sugerem o contrário.
Veja bem, se tratando de uma população que por tantos séculos foi escravizada, explorada e posteriormente, mesmo após a abolição, foi boicotada, essa falta de conexão tem impactos terríveis. Embora muitas pessoas digam o contrário, as cicatrizes deixadas por ela continuam bastante presentes no nosso dia a dia.
Dada essa situação, aquilombar-se torna-se extremamente importante para nós negros. O ato é, principalmente, uma forma de resistir, proteger e acolher os nossos.
É muito sobre ter um espaço (que não precisa necessariamente ser físico) no qual nos sentimos nós mesmos, um espaço que é de escuta, sociabilidade e reafirmação em que podemos nos reconectar com nossos irmãos, nossa ancestralidade e renovar as energias. Ser negro no Brasil é lidar diariamente com (micro)violências e a partir do momento em que se tem esse porto seguro, conseguimos encarar os desafios com muito mais ânimo.
Não preciso ir muito longe para dar um exemplo. Meus pais têm um grupo de amigos de longa data, são quatro casais (todos negros), que desde o meu nascimento estão muito presentes na minha vida. Todos tiveram filhas, algumas regulam de idade comigo, outras são 3 ou 4 anos mais novas.
O amor que eu sinto por todos é igual ao que eu sinto por qualquer membro da minha família de sangue, considero os adultos meus pais e as filhas deles minhas irmãs. Eu adorava quando tinha churrasco e nos encontrávamos, logo acabava um e mal podia esperar pelo próximo, hoje consigo entender o porquê. Era um espaço seguro, que eu não seria o “diferente”, que não iriam pedir para tocar meu cabelo ou me julgariam pelo meu tom de pele. Curioso pensar que nós já praticávamos o aquilombamento antes de ser a palavra da moda.
Vejo agora, pensando melhor, que isso me inspirou, ter tantas referências ao meu redor me permitiu crescer com objetivo claro: ser tudo que quiser ser. Inclusive, esse é mais um ponto positivo do aquilombamento, ter tantos exemplos me mostrou que havia vários caminhos os quais poderia seguir e o tipo de pessoa que queria ser. Eu, que já era a continuação de um sonho, cresci e, embora não tenha chegado lá ainda, acredito que faço um bom trabalho.
Meus irmãos e irmãs, é uma necessidade. Aquilombem-se.