Dos 10,8 milhões de gaúchos, calcula-se que um terço seja de descendentes de imigrantes italianos.
Desses, boa parte tem origem no Vêneto, no norte da Itália — de 1875 a 1900, auge da imigração, a região contabilizava o maior número de pessoas que partiram daquela área (17,9%).
Nas últimas décadas, muitos nascidos no RS têm feito o caminho inverso, e é principalmente para esse contingente, que se emociona ao descobrir as origens dos antepassados, que destaco três museus visitados no Vêneto:
Museo Archeologico di Mel
Este fica na comune de Borgo Valbelluna (museomel.it). Na Piazza Luciani, em Mel, sede do município de Borgo Valbelluna (Mel, Lentiai e Trichiana), o Museu Arqueológico ocupa o imponente Palazzo delle Contesse. Ali, no último piso, estão importantes materiais vindos de uma necrópole localizada a 800 metros. Visitei as três salas acompanhada de Ernesto Isotton, 83 anos, professor de história por mais de quatro décadas e voluntário que fez plantão aos sábados no museu por anos a fio. Ele me explicou que a necrópole é uma das mais antigas da região e a única visível e “visitável”. Atestando a presença contínua e organizada dos antigos vênetos do século 9 a.C. ao século 5 a.C., os vestígios emergiram em 1958, quando uma antiga casa era transformada em escola.
— Quem administrava a cidade se deu conta de que não eram pedras colocadas ao acaso — diz Isotton, contando que as escavações duraram até 1964.
Me mostrando os objetos achados, ele conta que esses povos habitavam a região que hoje compreende o Vêneto, o Friuli e parte da Lombardia a partir de 3 mil anos atrás – antes disso, eram nômades.
Todos os achados – vasos grandes e pequenos, adornos, ferramentas do cotidiano — foram datadas com a técnica do carbono-14. Os objetos estão organizados de forma cronológica. Por meio deles, diz o professor, dá para saber que os antigos vênetos estavam em contato com outros povos da região (nas atuais Lombardia e Toscana, na Itália, na Eslovênia, Áustria, Suíça etc).
— Eles eram hábeis artesãos e trabalhavam a cerâmica, o ferro e o bronze com maestria — observa.
Talvez de sua prática pedagógica, todas as explicações de Isotton ganham pitadas de humor e atualidade, comparando a pintura preta e vermelha de um dos recipientes às cores do time italiano do Milan, por exemplo, ou os ritos de passagem dos adolescentes do período aos “adultescentes” dos nossos tempos. Mesmo que você não tenha o privilégio que tive, de ser acompanhada por ele, vale a pena uma visita, ainda que rápida, a esse pequeno museu com entrada gratuita.
Museu Interativo da Imigração
O MiM também está localizado em Belluno (mimbelluno.it/il-museo/). Fica no interior do prédio da Associação Bellunesi nel Mondo, em Belluno, capital da província do mesmo nome. Montado com a participação dos associados da entidade criada em 1966, formada por emigrantes, reúne testemunhos e entrevistas gravadas em vídeo com registros dos motivos que os levaram a partir, do século 19 até hoje, e seu modo de vida.
Aberto a escolas para oficinas didáticas, estudantes e pesquisadores, abriga uma área interativa com três salas, organizadas por meio de painéis, fotografias e videoentrevistas. Há espaço para o orgulho de famosos(as) nascidos(as) na região, como o papa João Paulo I e o escritor Dino Buzzati, autor de O Deserto dos Tártaros, entre muitos outros menos conhecidos ou anônimos. Além de documentar o passado, o museu propõe uma reflexão sobre a atualidade. No último piso, uma biblioteca virou referência para quem pesquisa sobre o tema.
A associação, que mantém site e redes sociais e programas de rádio e TV para contato com seus associados, agrega representantes e descendentes em mais de cem países. Eles podem interagir pela rede social Bellunoradici.net.
Museu Etnográfico da Província de Belluno
O Museu Etnográfico da Província de Belluno fica em Seravella, no município de Cesiomaggiore (museoetnograficodolomiti.it). Aos pés do Parque Nacional das Dolomitas, patrimônio da Unesco, é considerado uma espécie de projeto-piloto. Nascido a partir de 1979, idealizado pela antropóloga Daniela Perco, foi sendo montado com a aquisição da “villa” do Campo de Seravella, em 1994, seguindo com a montagem das exposições temporárias, em 1997, e completado com as seções permanentes, em 2005, com a ajuda da comunidade, que doou parte da coleção.
Reúne objetos, memórias, documentos e fotos (mais de 20 mil!) que mostram a vida cotidiana da população rural desde o final do século 19 até hoje. Há ainda bens imateriais como documentos sonoros (fábulas, provérbios, músicas, orações, testemunhos) recolhidas no território bellunese e entre a comunidade ítalo-vêneta no sul do Brasil (há uma sala dedicada a quem emigrou ao Brasil).
Num dos anexos da casa do século 19 — cercada de campos, bosque e de um roseiral —, existe uma biblioteca com livros de interesse antropológico, jornais e revistas, além de arquivos familiares. Percorri todas as salas acompanhada das italianas Adriana e Fernanda Baiocco, que me explicaram os usos e costumes, baseadas nos objetos e a partir das experiências com as próprias famílias.
As pesquisas que originaram o museu incluem atividades como a criação de gado e o trabalho com o leite, a emigração transoceânica, a atividade industrial, o artesanato, a alimentação, a religiosidade, a emigração feminina e “baliática” (das amas de leite) – mulheres pobres que deixavam seus filhos recém-nascidos e iam para centros maiores para amamentar bebês de família nobres/ricas: uma das fotos mostra o cineasta Luchino Visconti (1906-1976) no colo de sua “balìa” em 1907.