Sou fã incondicional de imersões gastronômicas. Para mim, conhecer os hábitos e as peculiaridades do jeito de comer em um determinado lugar é parte essencial da viagem. Por isso, não hesitei quando a jornalista Tati Feldens, 38 anos, ofereceu um texto sobre duas rotas que ela e o chef Paulo Machado, 42, ajudaram a criar no Pantanal sul-mato-grossense, em parceria com o Sebrae e a Fundação de Turismo do MS. Paulo, nascido no Pantanal, também está à frente do projeto Food Safáris, que viaja o mundo com roteiros gastronômicos. Morador de Barcelona (Espanha), é autor do livro Cozinha Pantaneira e conhecedor e divulgador da gastronomia latino-americana — formado em Direito e Gastronomia, estudou no programa de cozinha francesa do Instituto Paul Bocuse em Lyon (França). Tati, gaúcha de Santa Clara do Sul, moradora de Porto Alegre, já tinha experiência com assessoria de empreendimentos culinários, mas nunca tinha ido ao Pantanal. Apaixonou-se. Daí a idealizar a rota não custou muito. Confira o texto da jornalista a seguir:
"Entender a cozinha de um país com a dimensão continental do Brasil não é tarefa fácil, mas pode ser uma empreitada saborosa e cheia de descobertas, já que a comida é uma das melhores formas de conhecer a cultura, a geografia e a história de um lugar. Certamente vocês já devem estar resgatando na memória destinos que visitaram e compreenderam melhor através da comida. Sozinhos, com amigos, em família ou a dois, as experiências gastronômicas nos levam a lugares jamais pensados. É porta de entrada para a história de como os povos se formaram, se firmaram e se multiplicaram.
No Mato Grosso do Sul a natureza determina a preferência do homem pelos ingredientes que a terra e os rios oferecem. Num Estado de imensas áreas de pastagens e águas fartas, a proteína animal serve de imprescindível mistura nas mesas. Um tantinho de legumes e frutas nativas em compota ou em calda complementam uma gastronomia aparentemente de poucos ingredientes, mas que guarda modos de fazer únicos e combinações múltiplas.
As comitivas que deslocam boiadas durante a seca, deixam, entre outros legados, as comidas preparadas na hora, como o inusitado macarrão de comitiva, feito com carne de sol e macarrão quebrado — alimento de panela única, simplifica a jornada no preparo e no ato de comer. Momento para tirar o chapéu que protege do sol e usá-lo de suporte para o prato quente.
Pantaneiro acorda de madrugada, e a primeira refeição é o quebra-torto, que mistura arroz e carne de sol, espécie de carreteiro dos pampas. A lida exige muito esforço naquele ambiente que ora alaga, ora seca expondo a exuberância da fauna e flora. Nesse cenário construído por muita gente, especialmente por mulheres de diferentes etnias, nasce a cozinha pantaneira, com o seu caráter mestiço, diverso e cheio de influências. O churrasco, assado em fogo de chão, consagra os aguardados momentos de festa do pantaneiro. Do boi e da vaca se aproveita tudo, surgindo o sarrabulho e o queijão de corte, chegando ao chifre transformado em guampa, copo natural do tradicional tereré. Chipa, sopa paraguaia e puchero garantem a herança indígena e a influência paraguaia. E o que dizer do legado japonês e libanês, que também deram a sua pitada neste caldeirão? Definitivamente, comida é cultura que atiça o apetite de qualquer viajante.
Foi neste turbilhão de sabores que eu e o chef Paulo Machado construímos, desde o ano passado, em parceria com o Sebrae/MS e a Fundação de Turismo do MS, duas rotas gastronômicas: uma dedicada aos sabores da terra — lançada em dezembro de 2022 — e outra das águas — projeto ainda inédito, a ser lançado neste setembro. Os roteiros nasceram da vontade de mostrar o quanto o Pantanal é rico em histórias e ingredientes.
Além de identificar pratos típicos e preparos que privilegiem produtos locais, nossa viagem pela maior planície inundável do mundo busca munir o turista de informações para que não só conheça a culinária, mas faça parte da experiência na viagem. Isso não significa só conhecer um restaurante. Envolve atividades como vivência em dia de comitiva, pesca e preparo de alimentos, piquenique ao pôr do sol e trilha na floresta em busca de sementes. Também encontra morada em locais de produção como fazendas e vinícolas, sem esquecer de feiras e mercados. Participar de pequenas aulas de culinária e visitar museus entram na lista de atividades.
A Rota Gastronômica Pantaneira parte da capital, Campo Grande, fazendo um convite ao viajante para conhecer a vinícola Terroir Pantanal. É lá que podemos provar a Torre Pantaneira, feita com carne oreada e pastrami de Brangus. Depois, recomendamos visitar a Pousada Pequi e descobrir os segredos da sopa paraguaia (bolo salgado de milho) e dar uma esticada até a vizinha Aguapé para provar o requeijão de corte servido com doce de leite e farofa de cebola tostada. Tudo isso no município de Aquidauana.
Na sequência, propomos um giro pela riqueza de fauna, flora e sabores do pantanal de Miranda. Na estrada, parada na Pousada Pioneiro, que oferece, além do macarrão de comitiva, noite cultural com ícones do Pantanal. De lá, dá para visitar a Fazenda San Francisco Agro ecoturismo e provar o puchero com pequi.
Também sugerimos uma pausa na Pantanal Experiência para conhecer uma antiga olaria, participar da comitiva pantaneira e degustar o filé de pintado com molho de cumbaru. Ainda se pode desfrutar do acolhedor Refúgio da Ilha para degustar a delícia do Refúgio, uma das criações da Dona Ivone, cozinheira gaúcha que une purê de mandioca e de moranga com uma carne seca excepcional.
Dá para seguir viagem para Corumbá e refestelar-se numa piscina de água natural aberta aos finais de semana no Recanto Vale do Sol e provar a deliciosa paçoca de carne de sol com erva-mate. No caminho de volta para Campo Grande, o estradeiro tem outra opção: parar na Pousada Pantanal Jungle Lodge, pescar no rio e tomar um caldo de piranha com queijo artesanal.
A rota termina na Nhecolândia, destino cobiçado por quem quer visitar o coração do Pantanal. É lá que o visitante degusta o sarrabulho, prato típico de dias de festa e muito cobiçado.
Essa primeira etapa da rota elenca 10 pontos de visitação, que podem ser percorridos individualmente ou conforme a proposição acima. Depende do tempo e da disposição em explorar esses sabores tão genuínos. Já a Rota II...ah, essa fica para um próximo momento. Mas garanto que ela trará muita aventura pelas águas do Pantanal."