Cada um tem seus sonhos de viagem. O de Claudia Rodrigues Pegoraro era o trekking que leva ao campo base do Everest, a 5.364 metros de altitude (pico mais alto do planeta, no Nepal, o Everest tem 8.848 metros). Esse propósito da viajante nasceu em 1996, ao ler No Ar Rarefeito, de John Krakauer. Uma segunda obra, O meu Everest, de Luciano Pires, de 2002, reforçaria o desejo.
Ainda que tivesse levado mais de 20 anos para concretizar a vontade, não chegou a ser difícil Claudia convencer o esposo, Marlon, a embarcar com ela. A promotora e o policial federal, ambos de 46 anos, moradores de Bento Gonçalves, já haviam ido ao Nepal duas vezes. Na primeira, em 2004, com pouco tempo e pouco dinheiro. Na segunda, em 2011, já carregavam Felipe, o pequeno viajante que dá nome à plataforma que eles mantêm sobre roteiros em família. Finalmente, haviam decidido embarcar em 2020, quando a pandemia viraria o impedimento.
Passados os percalços, partiram em novembro de 2021 com restrições e embalados pela sorte. Caminharam duas semanas sob muito frio, mas céu azul. Já contavam com essa perspectiva após assistir a dezenas de vídeos e ler informações indicando que os dias seriam mais bonitos nessa época, mesmo que muitos caminhantes prefiram março/abril, quando os alpinistas sobem ao cume.
Mas por que, afinal, andar dias a fio sob baixas temperaturas e com a altitude jogando contra? — Para mim, não existe um trekking mais bonito no mundo. É maravilhoso pelas belezas naturais — garante Claudia que, com o esposo, já fez a Trilha Inca, no Peru, entre outras, e conhece mais de 60 países.
A viajante inveterada considera essa caminhada “fácil” comparada a algumas como Santiago de Compostela, já que o roteiro mais tradicional, o francês, soma mais de 800km. No Nepal, a distância não é grande, pouco mais de 120 quilômetros até o campo base, e cerca de 12 quilômetros/dia. Não é preciso acampar, ter equipamento especial e carregar comida, e a cada noite é possível dormir nas “casas de chá”, pequenas hospedarias sem climatização e com banho frio.
— Come-se bem, tem até pizza, se quiser — conta a promotora.
Não fosse a altimetria – os metros acumulados quando se sobe verticalmente – não seria tão difícil. Por causa dela é preciso calma e tempo, para minimizar os efeitos da altitude sobre o corpo e respeitar os “ciclos de aclimatação”, às vezes dormindo duas noites no mesmo lugar, independentemente do preparo físico. Entre os riscos estão o edema cerebral e pulmonar.
Claudia e Marlon respeitaram as orientações à risca. Saíam por volta de 7h ou 8h da manhã e caminhavam até as 14h, parando muitas vezes para contemplar, fotografar, almoçar. De caminhada, mesmo, umas quatro horas por dia.
— Como dizem, as tartarugas conhecem melhor as estradas do que os coelhos. Se for rápido, vai passar mal — completa Claudia.
Na ida, Marlon sentiu dor de cabeça e cansaço, o que já havia acontecido em outras caminhadas em altitude. No caso de Claudia, ela viveu um susto na descida: uma manhã, acordou com um edema facial, como se tivesse extraído os quatro dentes do siso. O inchaço no rosto apavorou, mas a médica especializada com quem consultara antes de ir explicou o efeito indesejado e a tranquilizou: bastaria descer para voltar ao normal, o mesmo conselho ouvido dos sherpas – moradores integrantes de uma etnia que atuam como guias/carregadores para escaladores e caminhantes.
Claudia e Marlon planejaram e viajaram sozinhos, estudaram os detalhes do roteiro, em livros, na internet, em conversas com que já tinha ido. Queriam fazer no seu ritmo, acompanhados apenas por um sherpa, que levava uma das mochilas e se encarregava de conseguir a hospedagem.
Antes de atingir o campo base, dormiram em Gorak Shep, a 5.164 metros, um dos pontos mais altos do planeta habitado por seres humanos. Nas palavras de Claudia, depois de um último dia em que o terreno obrigava a uma “escalaminhada”, o mais difícil de todos, chegar ao objetivo teve sabor de vitória:
— Havia só outras duas ou três pessoas. Estava um dia lindo e fazia uns 12 graus negativos. Ficamos uns 40 minutos, embasbacados, olhando, fazendo fotos. O Peg (o esposo) ficava o tempo todo rindo. Foi a coisa mais difícil que fizemos na vida, física e psicologicamente falando. Se tiver de escolher só um trekking para fazer, escolha este.
Tão intenso que na volta “bateu um banzo”, uma nostalgia, e aquele pensamento: “E agora, o que vamos inventar?”.
Escalar o Everest, nem pensar.
A viagem seguinte seria para o Irã, outra vontade antiga. Outras vieram – como a de motor home com Felipe pela Irlanda e Escócia e pela Ilhas Faroé, na Dinamarca, descrita aqui na coluna, ou, mais recente, pelos Estados Unidos. Muitas outras virão.
E o Everest?
No segundo dia da trilha já dá para ver o Everest, e a tendência é fazer milhares de fotos, mesmo que só entrevisto em meio às árvores. A melhor vista, garante Claudia, surge no terceiro dia da caminhada. Para quem pode, é nessa altura que fica o Everest View Hotel, alojamento com apenas 12 apartamentos e onde é possível chegar de helicóptero.
Se quiser ir, preste atenção
- Da capital do Nepal, Katmandu, há voos até Lukla, onde fica o aeroporto considerado um dos mais “perigosos” do mundo. É a porta de entrada para o trekking e para as escaladas.
- As épocas adequadas, por conta das condições climáticas, são março/abril e outubro/novembro.
- São necessárias pelo menos duas semanas para o trekking e não é preciso ser atleta nem alpinista, mas um bom preparo físico é recomendável. Antes de ir, entre outros trajetos curtos, Claudia fez o Caminho de Caravaggio (200km em 10 dias).
- Cada mochila do casal pesava em torno de 6kg (3 de água, além de equipamento fotográfico, corta-vento, lanchinho). O resto do material era levado pelo carregador.
- Um saco de dormir para suportar as baixas temperaturas pode ser alugado no Nepal. Outra coisa importante é um purificador de água, para evitar o plástico e gastar menos.
- Não é preciso calçado ou roupas especiais, mas adequadas ao terreno e ao frio – Claudia usou tênis de trilha e “roupa que gaúcho usa no inverno”, em camadas.
- No trajeto, segundo Claudia, há poucos jovens, mas muitas pessoas na faixa dos 60 anos e mais. Não é proibido, mas não é recomendável ir com menos de 16 anos.
- Há sinal de celular durante toda a caminhada.