Costumo me orgulhar de conhecer bem Porto Alegre, que não é minha cidade natal, mas adotada para viver. Porém (que bom!), sempre me surpreendo. Foi o que aconteceu num sábado de abril, ao participar do roteiro do projeto Visitas Culturais, organizado pela equipe técnica relacionada aos bens culturais da Arquidiocese de Porto Alegre.
O convite divulgado nas redes sociais era para percorrer três igrejas do Centro Histórico: Nossa Senhora da Conceição, Capela do Senhor do Passos (na Santa Casa) e Basílica Nossa Senhora das Dores. A proposta, bem específica: conhecer o trabalho do português João do Couto e Silva (1826-1883), responsável pelas talhas em madeira nos três templos católicos, na companhia de Sofia Inda, que pesquisou o artista em seu trabalho de graduação e de mestrado e é doutoranda em Artes Visuais na UFRGS – agora, ela se dedica a estudar as igrejas do século 18 remanescentes no RS. Descobri que nunca havia entrado nas duas primeiras igrejas e que não sabia nada sobre o artista, também responsável por obras em palacetes e prédios da Capital, uma falha sanada com as explicações precisas e didáticas da Sofia.
Ela era a convidada especial, mas três representantes da equipe da Arquidiocese acompanhavam o grupo com mais de 70 pessoas: a arquivista e historiógrafa Vanessa Gomes de Campos, a historiadora Jamily Veit Scheffer e a museóloga Caroline Zuchetti. As três horas passaram voando e foram poucas não só para percorrer os cerca de dois quilômetros que separam os locais, mas para a quantidade (e qualidade) de informações. O projeto, iniciado em 2022, já promoveu uma dezena de visitas, atraindo centenas de pessoas, e tem pelo menos mais duas datas agendadas no primeiro semestre (veja mais abaixo).
Nossa Senhora da Conceição (Av. Independência, 230)
Na época do lançamento da pedra fundamental, 1851, ficava fora dos muros da cidade. Inaugurada ainda não concluída em 1858, é do mesmo período do Theatro São Pedro (1858) e da Beneficência Portuguesa (1870) e sua arquitetura é colonial luso-brasileira. Tem uma fachada frontal simples e uma lateral que não a identifica como uma igreja, uma característica da época.
As marcas de João do Couto e Silva — chegado ao Brasil em 1842 e em Porto Alegre, em 1845 — estão por toda parte: das portas ao altar, do coro aos nichos e capelas laterais, com uma talha considerada eclética, com elementos como palmeiras, conchas e flor-de-lótus — sem contar uma característica do artista: ele entalhava sua assinatura sob o piso do coro. Restaurado entre 2009 e 2011, o interior do templo é um brinco.
Já não dá para dizer o mesmo do exterior, principalmente da fachada lateral, ao lado da escadaria do túnel do Viaduto da Conceição. Uma pena.
Capela Nosso Senhor dos Passos (Rua Prof. Annes Dias, 35)
A ideia de erigir a capela é quase tão antiga quanto a criação da Santa Casa de Misericórdia, de 1803. Iniciada em 1819 e concluída em 1835, ela já teve uma entrada frontal, mas hoje o acesso é pela lateral do templo, na Avenida Independência.
Entre as ampliações e reformas pelas quais passou nos séculos 19 e 20, parte dos adornos em madeira produzidos por João do Couto e Silva, muito semelhantes aos da igreja da Conceição, se perderam, restando as portas entalhadas pelo artista. No início dos anos 2000, o interior recebeu restauração, com revitalização da pintura do italiano Emílio Sessa, dos anos 1960.
Basílica Nossa Senhora das Dores (Rua dos Andradas, 857)
Entrei dezenas de vezes na igreja conhecida (também) por sua escadaria na Rua da Praia, mas nunca tinha reparado na assinatura de João do Couto e Silva sob o coro. Na visita, consegui identificar ainda semelhanças e diferenças com os outros templos em que o entalhador português trabalhou.
A documentação sobre a igreja das Dores é fartíssima, com recibos de materiais desde o início da obra, que teve sua pedra fundamental lançada em 1807, com a primeira capela inaugurada em 1813. Após o início da ampliação, em 1840, João do Couto e Silva assumiu a obra, em 1864. O interior e as talhas criadas pelo artista português são igualmente lindos, mas ela é considerada mais sóbria que a da Conceição. Nas laterais, seis nichos abrigam imagens que lembram os passos da Paixão de Jesus. No memorial da igreja, numa das capelas laterais, há uma obra de um discípulo de João do Couto e Silva, Francisco Augusto Guimarães, o único de que se tem notícia: trata-se de um nicho em madeira, de 1875, para carregar a imagem do Senhor Morto.
A igreja das Dores só foi dada por concluída em 1904 e, vale lembrar, em 2022 foi elevada à categoria de Basílica Menor pelo papa Francisco.
Para participar das visitas
- O projeto ocorre, em geral, no terceiro sábado do mês
- A próxima visita será no dia 20/5 e percorrerá a Igreja São José e a de Nossa Senhora do Rosário, na companhia do arquiteto Lucas Volpatto. Inscreva-se em gzh.rs/igrejas
- Para 1º/7, a proposta é conhecer as obras dos pintores italianos Aldo Locatelli e Emílio Sessa, na Catedral Mãe de Deus e nas igrejas Sagrada Família, Nossa Senhora de Lourdes e Santa Teresinha do Menino Jesus
- Ingressos a R$ 10 por pessoa
- Informações: visitasculturais@arquipoa.org.br e arquipoa.com
Ainda no Centro
Voltei – Como meu passeio terminou próximo à Casa de Cultura Mario Quintana, pensei: por que não aproveitar e almoçar no Lola Bar, no terraço da CCMQ? Com tempo bom, é uma delícia ficar na área externa, desfrutando da vista. Para isso, é preciso chegar no horário da abertura, às 12h, ou reservar. Em poucos minutos, o lugar ficou lotado. Confira em @lolaccmq
Conheci – O Síndico Torra e Café, aberto desde dezembro numa das esquinas da Praça Brigadeiro Sampaio (Andradas, 419). Ainda que haja uma pequena sala com mesas e cadeiras, o legal é ficar no balcão, experimentar e conversar sobre os cafés, torrados e moídos ali mesmo. Se quiser, também dá para levar pra casa. Funciona às segundas, das 13h às 19h, e de terça a sábado, das 10h às 19h. Mais em @sindicocafe
Rota dos fósseis
Que o RS é um dos pontos de maior afloramento de fósseis não é novidade. Mas nem sempre todo o potencial turístico é aproveitado. Por isso deve ser saudada a rota turística Conhecendo os Fósseis do Triássico. Ela começa em Porto Alegre, com visita ao Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS, que tem em sua coleção tetrápodes, répteis e anfíbios. Segue com um passeio pelo Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do RS, também na Capital, e ruma a Santa Maria, que desde os anos 1930 é reconhecida por seus fósseis. Depois, continua em São João do Polêsine, cidade que abriga o primeiro Centro de Apoio às Pesquisas Paleontológicas (Cappa), onde estão as últimas descobertas de animais fossilizados na Quarta Colônia. A rota termina em São Pedro do Sul, rico em Fósseis vegetais.
Sarau do Rio
A edição de maio do Sarau do Rio, em São Leopoldo, no dia 21, terá oficinas, teatro, mostra de arte e shows gratuitos, no Museu do Rio (Rua da Praia), à beira do Rio dos Sinos. Entre eles, estão Swing Samba Trio, N. Garcia, Oly Jr. & Os Tocaios e Tonho Crocco e banda – Especial Tim Maia, esta última a partir das 18h30min. Saiba mais em @saraudorio