Entre a comida e a vista, fique com as duas. O mais novo menu assinado pelo chef gaúcho Marcos Livi, o mesmo do Parador Hampel, de São Francisco de Paula, e de outros seis projetos no RS e em SP, é inventivo e delicioso, tendo o ar como elemento de conexão, de frente, de lado e de costas para a natureza. Ela impera majestosa no Vistta, restaurante no formato pop-up (temporário), a 400 metros de altitude, em Praia Grande, na encosta dos cânions do Parque Nacional de Aparados da Serra e Parque Nacional da Serra Geral.
Livi faz a mentoria do projeto gastronômico do Sítio Azimuth, propriedade de 60 hectares pertencente ao casal Régis, 51 anos, e Carolina Duchêne, 46. Em 2005, após percorrerem 12 mil quilômetros atrás de um lugar que reunisse beleza cênica, água e fosse próximo a uma unidade de conservação, os empreendedores, então ainda namorados, apaixonaram-se pela paisagem e, após o primeiro chalé de madeira, construíram ali uma casa tão integrada ao cenário que quase desaparece nele. Agora, decidiram transformá-la em restaurante e pousada (por ora, só existem 2 suítes, mas o projeto turístico prevê 15 miradores, oito casas, uma sede campestre e nove tiny houses junto a uma sede científica imaginada pelo casal e por mais dois sócios).
Enquanto o futuro não chega, o restaurante funciona em soft-opening. Recebe todos os dias, mas se você quiser ver o próprio chef em ação, a dica é ir aos sábados - nos outros dias estará ali a equipe (super) preparada por Livi. O menu enxuto indica a integração com o que se vê à volta da varanda onde se distribuem as mesas. Em lugar de "entradas", "À Primeira Vista" anuncia a terra comestível e o pirulito de costela; "Nosso Olhar" apresenta, entre outros, o puchero, com releitura do tradicional cozido de carnes e legumes; os pratos principais estão em "Desfrutar", que inclui o "arroz e polvo", assado na taquara.
O chef quer que as pessoas se divirtam com a comida e aprendam sobre os ingredientes do território, filosofia presente em seus restaurantes. A ideia é usar o que pode ser encontrado num raio de 150 quilômetros e permitir que a comida mude, evolua. Certo é que, à medida que a refeição acontece, você é surpreendido. Depois de optar por uma ou várias delícias, as sobremesas e o café surgem "Nas nuvens". Ainda que as duas opções de sobremesa sejam deliciosas, talvez a parte mais lúdica do festim seja o café, servido com algodão doce em formato de...nuvem. É de se lambuzar.
O gostoso, também, é que não há frescura. Você chega e, sem que lhe peçam, pode tirar os sapatos para circular descalço. À mesa, o serviço é bonito e de bom gosto, mas simples, e o cardápio induz à partilha. Não há afobação na equipe treinada por Livi, que carrega seu forno de pizza napolitana, mas aproveita ao máximo a cozinha para dar a impressão, que é a que fica, de que se está em casa. Você fica à vontade para só comer, beber e fazer nada ou aproveitar os arredores.
A oito quilômetros de Praia Grande, na autointitulada "capital dos canyons" de pouco mais de 7 mil habitantes, reinam os esportes de aventura (veja no quadro). A cidade catarinense tem quase 40% de seu território em parques nacionais e é um dos sete municípios catarinenses e gaúchos a integrar o Geoparque reconhecido pela Unesco, um dos três no país até agora.
A exuberância natural que atraiu Régis e Carolina ao Azimuth pode ser medida por meio de um estudo encomendado por eles e que exigiu o trabalho de 30 profissionais ao longo de dois anos, gerando 647 páginas e 14GB de informações: já foram catalogadas 211 espécies de aves, 172 espécies botânicas e registrados pelo menos cinco felinos por meio de câmeras de movimento instaladas na área de mata que recobre quase 90% do terreno. Além desse, com outro estudo, de viabilidade hoteleira, decidiram só usar os cinco potreiros já existentes para construir e ocupar, sem mexer na vegetação. Querem trilhas autoguiadas na mata e controle para não perturbar os animais, além de atrair estudantes e cientistas.
— Isso nos permite entender, gostar e preservar ainda mais a região — resume Régis, explicando que, fronteiriço ao parque, o Azimuth é considerado uma "zona de amortecimento".
— Era o nosso refúgio. Na pandemia, fizemos a casa gerando o menor impacto possível e vimos que o "cavalo estava passando encilhado", coincidindo com a explosão do turismo — diz Carolina, que é arquiteta.
A construção permitiu a fácil adaptação para o Vistta e para a pousada. E o refúgio do casal entre os canyons e a Mata Atlântica se abriu. Para chegar até ele, o casal percorre 952 quilômetros uma vez por mês desde São Paulo, onde mora com a filha Beatrice, 10 anos. Após visitarem dezenas de países no mundo, eles não têm dúvidas de que este é o seu lugar.
Programe-se
O Vistta — Cozinha de Altitude funciona diariamente, das 10h às 22h. Perfil no Instagram: @vistta_sc
Como ir
A partir de Porto Alegre, são 229 quilômetros até Praia Grande (SC), pelas BRs 290, 101 e SC-290. O Vistta fica no Sítio Azimuth (Rota dos Tropeiros, 1.700). Nos quilômetros finais, há pequenos trechos de estrada de chão, num trajeto cujo asfaltamento foi iniciado anos atrás, abandonado depois e que está por ser retomado.
O que fazer
Se você for passar apenas o dia, para almoçar ou jantar no Vistta, ou ficar hospedado no Azimuth ou em pousadas da região, saiba que há muita aventura e diversão por aqui. Mas a regra, avisa o chef Marcos Livi, "é não ter regras". Então, se quiser só ficar olhando a vista, não vai se entediar. Mas aqui vão algumas dicas:
Cavalgadas: os proprietários têm um acordo com uma operadora e, desde 2014, 10 mil turistas já passaram pelo Azimuth, em rotas pré-determinadas e com lista dos cavaleiros que precisam usar capacetes e estão cobertos por seguro. Os passeios se encerram à volta do açude cercado de decks para repouso.
Passeios de balão: vizinha de Torres, conhecida por seu Festival Internacional de Balonismo (o próximo será de 27/4 a 1/5), Praia Grande tem uma oferta grande de passeios de balão. Os voos duram de 45 a 50 minutos e ocorrem ao nascer e pôr do sol. Do alto, se vê o litoral, as escarpas de até 700 metros dos cânions e os Campos de Cima da Serra, já que os balões de ar quente chegam a mais de mil metros de altitude. Uma dica importante é certificar-se da segurança e das credenciais da empresa — o meu foi com a Canyon Sul Balonismo. O valor individual em voo coletivo custa R$ 640. No site capitaldoscanyons.com, há contatos de operadoras.
Trilhas: você pode fazer pequenas caminhadas no gramado ou trilhas à volta. Se tiver tempo e quiser se aventurar mais, é a partir de Praia Grande que parte a Trilha do Rio do Boi, no interior do cânion Itaimbezinho, e só pode ser feita com guia (inscrições em canionsverdes.com.br).
Onde ficar
O sítio Azimuth por enquanto só tem duas suítes, mas há várias pousadas à volta: Morada dos Canyons (2 km), Discovery Cânions (2,5 km), Recanto dos Canyons (6,6 km), Pousada Refúgio dos Canyons (6,9 km) e Refúgio Ecológico Pedra Afiada (11 km).