A área: 495,390 quilômetros quadrados. A população: quase 1,5 milhão de habitantes. O ponto mais alto: o Morro Santana, a 311 metros. As ilhas: 16. A orla fluvial: 70 quilômetros ao longo do Guaíba...
É uma cidade grande a capital gaúcha que completa 250 anos no dia 26. É uma metrópole que pode ser mostrada de pontos de vista variados em sua geografia complexa. Para contemplar e homenagear alguns desses ângulos, mostro aqui três personagens que a veem de uma perspectiva privilegiada, conduzindo visitantes e moradores: um piloto de avião que faz voos panorâmicos, o comandante de um barco que navega em passeios diários pelo Guaíba e um motorista que, por sete anos, conduziu um ônibus da Linha Turismo. É Porto Alegre por ar, água e terra.
Vista aérea
No comando do manche de um monomotor Tupi, com capacidade para três passageiros, Rafael Timm já fez pelo menos 15 voos panorâmicos sobrevoando Porto Alegre desde o Aeroclube do Rio Grande do Sul, no bairro Belém Novo. Vai em direção ao Beira-Rio, no Menino Deus, ou para o lado oposto, no sentido do Lami, no Extremo Sul.
Do alto, o instrutor de voo enxerga duas cidades: uma é verde, de uma beleza natural exuberante, quando o bico da aeronave aponta para o Sul; a outra, quando vira para o Norte, é o que ele chama de uma "selva de pedra". É assim que vê lá de cima. Sem preconceitos. Adora o jeito relaxado e tranquilo da Zona Sul, mas, morador do bairro Três Figueiras, se pedir para optar, ele escolherá a parte mais urbana.
E são de duas formas diversas que sobrevoa a Capital: nos voos panorâmicos ou de instrução. Quando está em treinamento com os alunos, está ali para ensiná-los, com foco total na aula.
— Mas, quando faço os voos panorâmicos, ali se mexe com o sonho da pessoa. É mais descontraído. As pessoas estão ali para passear, se consegue conversar durante o voo — conta.
Voando a 300 metros de altitude, cada um vê algo inusitado na sua Porto Alegre ou na cidade que está visitando. Entre os moradores, o momento de maior emoção é ao identificarem um determinado ponto, principalmente a própria casa.
E o que as leva à experiência de sobrevoar a cidade? Rafael identifica alguns motivos:
– A paixão de voar, a vontade de fazer algo novo, de ver Porto Alegre de um ângulo diferente.
Há voos emocionantes, como quando filhos deram de presente à mãe seu primeiro passeio aéreo. Na companhia de um dos filhos e da nora, ela não demonstrou nenhum medo: perguntava sobre isso e aquilo ao piloto, falava baixinho, observava a paisagem, extasiada. Também houve um outro em que Rafael conduziu um holandês formado como piloto na Inglaterra, acompanhado da namorada brasileira. Ali, serviu quase de guia turístico, mostrando cada ponto da cidade ao visitante, mas também trocando ideias sobre aviação.
— Sempre tem uma história legal por trás de cada passageiro — resume ele, que também já transportou os pais e a avó. Ele, em concentração total, no primeiro voo com a família; eles emocionados, fotografando e fazendo vídeos.
Rafael já soma mais de 200 horas de voo e é muito graças à família que realizou seu sonho. Depois de se formar em Jornalismo, em 2017, recebeu o diploma como uma mera formalidade, sabendo que não estava ali o seu futuro. Antes mesmo do início da faculdade, pendia para a aviação, mas achava que o investimento seria alto demais. Um primo começou a fazer o curso no Aeroclube, o pai o incentivou e pronto: após a formação completa, nascia ali o piloto que hoje ensina seus alunos a bordo de um monomotor Cessna 152, um dos mais populares para treinamento no mundo, e ainda precisa completar pelo menos o dobro de horas para candidatar-se em uma seleção para ingressar em uma grande companhia aérea. Um plano de voo para o futuro.
- O local favorito
Assim como muitos dos passageiros, Rafael gosta de admirar a Orla do Guaíba, de conferir o quanto melhorou e como tem atraído as pessoas, tanto quando a sobrevoa quanto ao passar por ela de carro. Mas, de tudo o que vê lá de cima, o Beira-Rio é o que lhe dá mais alegrias e lhe traz mais lembranças, por frequentá-lo com o pai.
- Um recado para os 250 anos
"Vendo de cima, se consegue enxergar mais rápido os pontos legais, da terra a gente fica focado só no caminho. Antes de voar, não tinha a visão da parte verde, do Lami, de Itapuã...é maior do que se imagina e pouco explorada, precisamos tratar disso. Sempre nos orgulhamos em falar do pôr do sol mais bonito do mundo, mas só agora, com a nova Orla, temos um bom lugar para observá-lo."
- O passeio
O Aeroclube do Rio Grande do Sul oferece voos panorâmicos em aviões monomotor (R$ 360 para três pessoas, por 20 minutos) e em planadores (duração de 20 minutos, a R$ 250 para uma pessoa). É preciso agendar pelo fone (51) 98519-4760. Como o aeroclube tem uma grande área gramada, com acesso gratuito, há quem faça da visita ao local um passeio, para observar os aviões e desfrutar. Em breve, um restaurante deve abrir no local (Avenida Juca Batista, 8.101, bairro Belém Novo).
Na perspectiva do Guaíba
Parece mesmo destino o fato de Wagner Andrade Alves estar à frente do barco Cisne Branco, que navega há mais de 40 anos pelas águas do Guaíba. Nascido na Ilha da Pintada, suas primeiras memórias de infância são embarcado, acompanhando o avô ou o pai. Pudico Ferreira Alves, o vô, transportava carvão quando o Gasômetro ainda funcionava como termelétrica (inaugurada em 1928, a usina foi desativada em 1978, transformada em centro cultural em 1991, e agora está fechada para reformas) e chegou a levar detentos à Ilha do Presídio quando ela abrigava uma cadeia. O pai, Aladim, por 25 anos atuou no Grêmio Náutico União. E o próprio Wagner, aos 13 anos, já andava para cá e para lá, antes mesmo de conquistar sua carteira marítima, o que só ocorreria aos 18, com a maioridade.
Ele conhece bem o Guaíba. Só no Cisne Branco, se vão cinco anos entre idas e vindas. No catamarã que liga Porto Alegre a Guaíba, outros cinco, e orgulha-se de ter sido o primeiro dos pilotos, de 2010 a 2015. No Cisne, comanda tripulação formada por quatro pessoas. Vai e vem pelo Guaíba de três a quatro vezes por dia, de terça a domingo, conforme a demanda de público. Diz que o trajeto, que, de mudança, só tem o lado da cidade (rumo às ilhas ou à Zona Sul?), nunca perdeu o encanto:
— É uma visão privilegiada de Porto Alegre. Estar dentro da água com passageiros é uma responsabilidade, mas eu vejo a felicidade das pessoas, vejo Porto Alegre de outro ângulo. Muitos porto-alegrenses e muitos gaúchos não conhecem isso.
Na lida com os turistas, o principal contato se dá no embarque, interessados em saber mais sobre o trajeto, e no desembarque. Invariavelmente, vão ao comando fotografar. Derramam-se pelo Guaíba e, como se fosse preciso dizer, falam do privilégio que é ganhar a vida navegando por ele.
Sempre navegando, Wagner cria seus três meninos — de cinco, nove e 10 anos — que, diz, com uma ponta de constrangimento, ainda não passearam a bordo com ele. A família, agora, mora em Guaíba e, por conta dos horários, ele faz o trajeto por terra.
Não há, em sua memória, algum tipo de apuro merecedor de registro. Mas é preciso atenção sempre, alerta, ao navegar pela Zona Sul, dependendo do vento. Teme que as pessoas a bordo, muitas navegando pela primeira vez, possam assustar-se caso o barco balance.
E ainda que o Guaíba seja, desde sempre, sua fonte de sustento, nunca deixou de ver beleza nele. Todo dia tem pôr do sol? Sim, mas ele sempre acha diferente e vive tirando fotos. De alguns ocasos, lembra em detalhes:
— Perdi uma foto sensacional ao trocar de celular. Foi em 2014, ainda no catamarã: no pôr do sol as nuvens ficaram cristalinas acima do sol, muito diferente. Me emocionei.
Não faz mal. Está na memória.
E, se depender dele, tudo pode ficar ainda mais bonito. Entusiasma-se ao falar de mudanças como a renovação de trechos da orla nos últimos quatro anos, principalmente no entorno da Usina do Gasômetro e, desde o ano passado, no Cais Embarcadero. Do Guaíba, é mais bonito ainda de se ver.
- O local favorito
Ao navegar, Wagner tem dois locais preferidos: o Canal Maria Conga ("onde não tem casas, só árvores, os pássaros, o silêncio, mesmo com o barulho do motor"); e, na saída do canal, a vista para a cidade mesmo ("um dos pontos mais bonitos, quando se enxergam os morros, o Centro, a ponta da Usina, tudo junto").
- Um recado para os 250 anos
"Há muitos porto-alegrenses que não conhecem a cidade vista do Guaíba. Não é só propaganda do passeio, é que eu acho que todos tinham de conhecer. Também gostaria que concluíssem a restauração do cais. Seria muito bom para os turistas e daria muito mais movimento."
- O passeio
Há barcos de passeio saindo do Cais Mauá, do Cais Embarcadero (consulte a CelebraNau pelo @caisembarcadero) e da Usina do Gasômetro (há uma bilheteria no Atracadouro Turístico Nico Fagundes, na Av. Presidente João Goulart, 551, ao lado da Usina). Para passeios no Cisne Branco, consulte barcocisnebranco.com.br
Jornada terrestre
Funcionário da Carris havia mais de um ano, Jeferson Costa da Silva conduzia a Linha Universitária (D43), do campus da Agronomia da UFRGS até o Centro, e, toda vez que via passar o ônibus da Linha Turismo, olhava com admiração. Como o serviço era administrado pela Carris, candidatou-se como substituto nas férias do motorista e, meses depois, quando foram comprados mais dois veículos, correu para a seleção efetiva.
No treinamento, ora andava como motorista, ora como turista, para apurar a experiência e a noção de altura — fios e árvores estão entre os principais obstáculos para controlar o veículo de dois andares, 4m10cm de altura e vão superior livre.
Ele explica sua motivação:
— Além do desafio de dirigir um ônibus daqueles, o que me chamou atenção foi que eu conseguia perceber a cidade de uma maneira diferente. A gente passa várias vezes pela mesma rua e não presta atenção nos prédios históricos, nos monumentos.
Dirigiu o ônibus de 2011 a 2018, mantendo a velocidade entre 30 km/h a 40 km/h e indo ainda mais devagar conforme o lugar. Às vezes, saudoso, sonha estar ao volante de novo. Sente falta do convívio com colegas e visitantes, a quem recebia pilchado nos festejos farroupilhas.
Repetia os roteiros de terça a domingo. Aos turistas, passava informações além do básico, muito por demanda dos visitantes, que buscavam dicas de restaurantes e opções culturais. Achava um jeito de se comunicar, com a ajuda dos guias, mesmo quando centenas de estrangeiros tomaram a Capital na Copa em 2014. Fosse qual fosse o tipo de passageiro, os pontos onde a volta se demorava mais eram a Praça da Matriz e o Santuário Mãe de Deus.
Porto-alegrense criado em Viamão, Jeferson mora há 20 anos no bairro Agronomia, na Capital, com a esposa e os dois filhos. Já trilhou a cidade de ponta a ponta, inclusive a pé: antes de ser motorista, foi carteiro e montador e entregador de móveis.
— Conheço cada canto, por isso gosto. E adoro a Linha Turismo por ela ajudar a divulgar a cidade.
Curtia muito os roteiros especiais: o passeio natalino, o tour cervejeiro pelo Quarto Distrito, a Noite dos Museus. Guarda na memória o dia em que levou o ex-técnico da Seleção Felipão e outro em que transportou familiares dos jogadores do Grêmio no comboio para celebrar o Tri da América, em 2017. E há um mistério: Jeferson e seus colegas acreditam que, em 2016, podem ter transportado Mick Jagger, o líder dos Rolling Stones, que fazia show na Capital. Acharam estranho um cara de sobretudo e chapéu no ônibus em pleno verão porto-alegrense. Reviraram as imagens das câmeras para comprovar. Não deu.
Pouco antes de a pandemia interromper a Linha Turismo, Jeferson passou em seleção como motorista no Sesc. Também planeja concluir o curso de Educação Física para atuar em projetos de inclusão social de crianças por meio do esporte, se possível no próprio Sesc. Uma nova linha a traçar.
- O local favorito
É um dos principais pontos religiosos da cidade o seu lugar preferido: o Santuário Mãe de Deus, no topo do Morro da Pedra Redonda, em Belém Velho. De lá, tem-se uma das mais amplas vistas da Capital, diz Jeferson, além de paz e brisa.
- Um recado para os 250 anos
"Eu penso muito sobre segurança, gostaria que a cidade voltasse a ser mais segura. Pessoalmente, nunca fui assaltado, mas presenciei vários assaltos. Também queria muito, é claro, que a Linha Turismo voltasse a operar. Eu estaria lá no primeiro dia, prestigiando, como passageiro."
- O passeio
Criada em 2003, a Linha Turismo funcionou até o início de 2020, quando teve sua operação paralisada pela pandemia. Em setembro de 2021, a prefeitura anunciou sua interrupção e a privatização do serviço, mas ainda não há previsão para a retomada.