Na cabine de uma aeronave silenciosa, eu babava na vista mais privilegiada que se pode ter da zona sul de Porto Alegre. De um lado, os morros cobertos de verde e a praia do Lami. A faixa de areia de Ipanema e os edifícios até o Beira-Rio, do outro. Olhando para cima — o teto é transparente —, o céu azul com nuvens brancas rechonchudas completa o script de sonho. Até eu lembrar de um detalhe: estou a mil metros do chão em um avião sem motor.
Não virou pesadelo, não. Na verdade, o passeio no Grob G103 foi tranquilo da decolagem ao pouso na pista do Aeroclube do Rio Grande do Sul, no bairro Belém Novo. É de lá que partem os voos de planador na Capital, uma prática de aviação desportiva, também chamada de voo à vela.
O planador é uma aeronave não motorizada e superleve — para ter noção, o modelo Quero-Quero que tem no aeroclube pesa 185 quilos quando vazio. Ele precisa ser rebocado por um avião monomotor para começar a voar e ganhar altura. Quando alcança a altitude desejada, o piloto solta o cabo que liga ao rebocador e a aeronave está oficialmente planando no ar.
Então o piloto utiliza os controles para mover a aeronave para cima, para baixo, para a direita ou para a esquerda, à caça de correntes de ar ou térmicas que ajudam o veículo a ganhar mais altitude. Para pousar, aciona-se um freio aerodinâmico chamado de spoiler — ele levanta uma espécie de chapa na asa, que aumenta a resistência do ar.
Médico de profissão e piloto por paixão, foi Adriano Calcagnotto Garcia, 39 anos, que me ensinou isso tudo, antes e durante o voo. Eu achei que ele estava zoando quando, com as casas parecendo pontinhos cinzas lá embaixo, me disse no tom mais tranquilo:
— Se quiser brincar um pouco, me avisa.
É que o Grob tem os mesmos comandos no assento da frente que no de trás, tipo carro de autoescola. Com a garantia de que Garcia corrigiria qualquer manobra potencialmente camicase minha, pisei no pedal direito, puxei levemente o manche para o mesmo lado e dei uma volta no eixo do avião, de quase 360 graus.
Mas isso não era aventura que chega para Garcia. Ele deu uma palhinha do que seria a versão “com emoção” do passeio, embicando o avião levemente para baixo — senti aquele frio na barriga quando você chega em um topo da montanha-russa e começa a cair.
Botei a culpa no enjoo — me senti mareada no ar, veja que louco — e deixei esse outro nível de aventura para a próxima. Melhor acionar logo o tal do spoiler e retornar para o chão de Belém Novo.
Agora me dê licença que vou lá na farmácia comprar um Dramin: eu quero voar de novo.
Como voar?
Os voos de planador no Aeroclube do Rio Grande do Sul são feitos normalmente em sábados de tempo bom por pilotos formados na modalidade, como prática desportiva, e por alunos em treinamento, acompanhados de um instrutor. Também há a opção de fazer um voo panorâmico “de carona” com algum piloto do clube. Esse custa R$ 250 com duração de 20 minutos. É preciso marcar com antecedência pelo fone (51) 98519-4760.