Os alagamentos registrados em Porto Alegre na tarde de quarta-feira (26) em bairros como Azenha e Menino Deus foram agravados por problemas de infraestrutura.
Entre as falhas que ampliaram os efeitos da chuvarada estão as más condições do Arroio Dilúvio, responsável por conduzir as águas pluviais de boa parte da cidade ao Guaíba, e a instabilidade no fornecimento de energia elétrica em casas de bombas. A prefeitura informa que uma dragagem do córrego deverá começar no primeiro trimestre, mas ainda não há solução à vista para a falta de luz em pontos de bombeamento.
O diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Alexandre Garcia, admite que uma das razões para a chuva ter transformado ruas em riachos foi o acúmulo de areia e lixo ao longo de todo o canal que corre na Avenida Ipiranga, o que vem reduzindo a vazão rumo ao Guaíba e, nesta quarta, ampliou o represamento de água nas ruas — esse volume só consegue escoar de áreas como Azenha, Menino Deus e Santana, passar pela canalização e chegar ao Dilúvio quando o nível do arroio diminui.
— Temos muito lixo, árvore, areia, muito material decantado por falta de uma manutenção periódica no arroio — afirma Garcia.
Professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e consultor na área de hidrologia, Carlos Tucci concorda com o diagnóstico e observa que muitas pontes ao longo do riacho estão reduzindo ainda mais a capacidade de escoamento ao estreitarem excessivamente o vão livre sob elas.
— Há algumas pontes, como aquelas mais próximas à Silva Só, que são um grande problema. Elas diminuem muito a vazão da água — observa Tucci.
Alexandre Garcia afirma que será iniciado um processo de dragagem e limpeza do Dilúvio no primeiro trimestre, e que anualmente serão investidos cerca de R$ 20 milhões para manutenção de grandes canais de escoamento como arroios.
Outro problema é a falta de energia provocada justamente pelo mau tempo. Porto Alegre conta hoje com 23 casas de bombas que ajudam a baixar o nível dos alagamentos. Na quarta-feira, duas delas não entraram em ação na hora em que era preciso por falta de luz: uma localizada na Vila Farrapos e outra no bairro Santana – outro dos pontos mais afetados. Um terceiro local, junto à Ipiranga, onde também houve muitos problemas, começou a operar apenas com uma bomba, e somente mais tarde passou a funcionar de maneira integral.
Ainda não há uma saída para esse impasse. O Dmae sustenta que, para proteger toda a rede de abastecimento e de esgoto, seria necessário adquirir cerca de 350 geradores a um custo superior a R$ 100 milhões, contratar equipes especializadas, obter licenciamento ambiental para armazenamento de combustível e ampliar a área das casas de bombas. A prefeitura está discutindo o tema com a CEEE Equatorial, mas ainda sem medidas concretas.
Garcia acrescenta que estão sendo feitos investimentos neste ano como R$ 108 milhões para obras de macrodrenagem do Arroio Areia, R$ 14,5 milhões em serviços pluviais e R$ 2,6 milhões para a automação das estações de bombeamento de águas pluviais.
Medidas alternativas ajudariam a diminuir problemas
Nem só da construção de canalizações e casas de bombas é feita uma boa estrutura de drenagem urbana. Sistemas de amortecimento da água da chuva, como piscinões ou praças e parques alagáveis, e o estímulo ao uso de revestimentos permeáveis custam menos e alcançam ótimos resultados na prevenção de alagamentos.
Em países como a China, ganha força o conceito de “cidades-esponja”, capazes de absorver naturalmente grandes quantidades de chuva sem inundar ruas e calçadas. Para isso, locais como Thaizou substituíram muros e canalizações de concreto por praças ou parques feitos para serem completamente alagados quando chove muito. Em vez da água correr rapidamente para a canalização, sobrecarregando o sistema, esse escoamento ocorre de forma lenta, e boa parte da chuva infiltra pelo solo.
Outra iniciativa é dar preferência a revestimentos permeáveis. O consultor em hidrologia Carlos Tucci lembra que, desde o início dos anos 2000, Porto Alegre determina que cada novo empreendimento apresente uma solução adequada de drenagem, mas o passivo acumulado até então segue favorecendo inundações.
— Para que a rede de drenagem da cidade resistisse a uma chuva que ocorre em média uma vez a cada 10 anos, de 52 milímetros por hora, seria preciso investir pelo menos R$ 2,5 bilhões. Mas é possível adotar soluções mais sustentáveis, de amortecimento e infiltração da água no solo, como no conceito das cidades-esponja. Obras de amortecimento custam seis vezes menos do que de canalização — afirma Tucci.
Para comparação, a chuvarada de quarta-feira acumulou 47 milímetros em cerca de uma hora e 20 minutos.
Tucci dá um exemplo simples, rápido e de baixo custo que poderia ser adotado: facilitar que a água escoe das ruas para as praças e parques já existentes na cidade.
— Em vez disso, os meios-fios impedem que essa água chegue até as áreas verdes, onde poderia infiltrar pelo solo — observa o especialista.