A manhã desta quinta-feira (27) foi de limpeza e análise dos prejuízos para moradores de regiões de Porto Alegre surpreendidos pela enxurrada causada por meia hora de chuva no final da tarde de quarta-feira (26). Na área central, ruas ficaram alagadas, com veículos parcialmente submersos, e prédios comerciais e residenciais foram tomados pela água.
Gabriel Brasil, morador do bairro Azenha e responsável pela ONG Vira Latas de Raça, perdeu móveis de madeira e boa parte do material que seria vendido pelo brechó que ele organizava na Avenida Erico Verissimo. Desde fevereiro do ano passado, os cerca de 80 cães e gatos cuidados por ele são sustentados pela venda de roupas, eletrodomésticos, livros e DVDs usados. O custo mensal do projeto de proteção e adoção de animais, ele detalha, gira em torno de R$ 3 mil a R$ 4 mil. A casa onde funciona o brechó não é local onde os bichinhos ficam; a localização é preservada para não receber mais animais abandonados pelos donos, mas Gabriel garante que o temporal causou apenas goteiras por lá.
— Fomos muito prejudicados. Teremos que ressurgir das cinzas para ver o que poderemos aproveitar, já que o barro tomou conta na casa. Em menos de 20 minutos a água estava com mais de um metro de altura. Entrei na sala boiando por cima do muro sem saber o que tentava salvar primeiro — relembra Gabriel, professor de história e geografia na rede estadual de ensino.
Mostrando as marcas da água suja na parede, Gabriel e Bruno Fagundes, dono do imóvel, contam que o pátio interno, nos fundos do terreno, virou uma grande piscina. Pelo chão, pilhas com dezenas de livros e caixas com DVDs irão para o lixo, sem a chance de lavar e secar como as mais de mil peças de roupas que têm no local. Dentro da casa, manequins usados para a exposição do vestuário em venda, cadeiras e objetos menores flutuaram de um canto para o outro. Alguns aparelhos eletrônicos foram salvos em cima de móveis mais altos. O resto foi amontoado em cômodos pelos familiares, que trabalhavam na limpeza do ambiente na manhã seguinte.
— Daqui sai o sustento da Vira Latas de Raça. Nunca tinha visto nada parecido aqui, mesmo morando há 35 anos no bairro — complementa Brasil.
As doações podem ser oferecidas através do Instagram e da vaquinha virtual do projeto, neste link.
Susto com os carros
Do outro lado da rua e mais perto da Avenida José de Alencar, a tarde e noite de chuva só terminou com a retirada dos carros alagados na manhã seguinte. Dois Chevrolet Onix e um Honda City, este com barro até o painel, precisaram ser guinchados e levados para a manutenção depois de a garagem do número 1399 da Erico Verissimo acumular quase um metro de água.
— Foi o tempo de ver que a enxurrada estava subindo a calçada e descer de elevador, quando abriu a porta dele no térreo, a água entrou e subiu até meu joelho. Perdi meu chinelo e só consegui ver os carros na garagem boiando e se chocando entre si — conta Marta Araújo, moradora do sexto andar, que complementa aliviada sobre seu Onix: — Por sorte, meu seguro foi renovado ontem (quarta-feira) mesmo.
Os outros dois automóveis também são cobertos por seguradoras. Os proprietários, porém, não têm certeza se todos os danos estarão dentro de suas apólices.
— Foi muito rápido, começou a chover forte e não imaginei que aconteceria isso. Vi pela janela virada para a Avenida Ipiranga que os veículos pararam de passar e percebi que alagou. Os canteiros sumiram, ônibus pararam e, quando descemos, os carros no estacionamento estavam boiando — relata Jéssica Munhoz, do terceiro andar do edifício.
— Ela brincou que ficaríamos ilhados no prédio e demos risada. Em pouquíssimo tempo, menos de duas músicas que estávamos ouvindo enquanto trabalhávamos, o grupo de moradores e a síndica nos avisaram que a água estava entrando no prédio — rememora Rodrigo Lopes, namorado de Jéssica, enquanto vê o Onyx do casal ser levado pelo guincho da seguradora por volta das 9h30min, horário em que ele deveria estar com o automóvel trabalhando em Novo Hamburgo.
Uma das primeiras moradoras do condomínio, Raquel Eidt garante que essa foi a enchente mais rápida a entrar no prédio, que tem 15 anos. Ela questiona o sistema de escoamento pluvial da região como hipótese para justificar o volume de água arrastando dejetos pela rua. O seu Honda City também precisou ser removido com guincho do local.
— Entrei nele para tentar tirar alguns pertences e tinha barro cobrindo os bancos e o painel — detalha.
Segundo a síndica Liliane Souza, a comunicação entre ela, funcionários do condomínio e moradores foi instantânea, mas a chuva não esperou a ação deles. Ela diz que passou a noite em claro no bairro Nonoai, onde vive, até conseguir vir auxiliar os clientes pela manhã.
— Foi triste, fiquei superapreensiva. A ajuda que pude dar no primeiro momento foi segurar a mão deles virtualmente, porque não tinha o que fazer para impedir a chegada da água. Agora estamos contabilizando o prejuízo para pedir conserto, mas já vimos que os elevadores vão precisar de manutenção e dois motores dos portões queimaram — comenta.