Antes de tudo, aqui vai uma confissão e parte da motivação para este texto: caminhar é a única atividade física que me dá prazer. Por hábito, caminho pelo bairro, pela cidade. Quando viajo, faço pequenas trilhas e ando, às vezes, distâncias maiores (20 a 25 quilômetros por dia, dependendo do lugar). Mas há muito tempo não me dedicava a um trajeto mais longo no Interior, junto à natureza, o que ocorreu em novembro, na caminhada que comemorava os 10 anos dos Passeios na Colônia. Convidei dois parceiros para a pequena aventura, fiz a inscrição e lá fomos, num início de manhã de domingo, percorrer 16,5 quilômetros pela área rural de Teutônia, no Vale do Taquari. Além de contemplativa, como são as caminhadas do Passeios na Colônia, aquela era festiva e começou com o café da manhã em um sítio e terminou, quatro horas depois, com um almoço alemão em uma cervejaria.
Entre o bolo de fubá e o joelho de porco, o trajeto desvendou paisagens bonitas, propriedades rurais bem estruturadas e um grupo animado, com muitas pessoas que se conheciam de outras jornadas. Uma delas, a que chamei de “caçadora de caminhadas”, me inspirou a buscar trajetos e grupos no Estado. Há inúmeras opções, dos moradores que andam juntos organizados por um voluntário aos caminhos consolidados e agências e guias especializados. O que se verá a seguir não é um manual, mas dicas de lugares e pessoas que planejam roteiros rurais no Interior e na Capital para essa atividade que se revelou não apenas prazerosa, mas necessária, na pandemia, pelo contato com a natureza e a necessidade de distanciamento.
Pelo Vale do Taquari
Há 10 anos o jornalista Alício de Assunção e sua família promovem caminhadas rurais pelos 36 municípios do Vale do Taquari. O destino varia a cada vez, mas o ponto de partida é Lajeado, de onde o grupo sai para desvendar a paisagem, a gastronomia e a cultura do lugar (você também pode integrar-se no local da caminhada, como eu fiz). Os trajetos mensais têm distância média de 10 quilômetros, mas há caminhadas bimestrais de 45 quilômetros e, em datas especiais, roteiros de cem quilômetros.
O tamanho dos grupos e a idade dos participantes varia conforme a distância percorrida. Nos trajetos curtos, começa com café da manhã e se encerra com almoço – no percurso, é distribuída água, e um carro de apoio dá carona a quem não conseguir concluir o circuito. Nas caminhadas médias e longas, com mais de um dia, é incluída a hospedagem.
Em uma década, foram 195 caminhadas, quase 3 mil quilômetros percorridos por 23 mil pessoas e 232 localidades visitadas. Uma prática habitual é plantar árvores no caminho. Em 10 anos, foram 1.750 mudas.
Preste atenção: próximos roteiros, com 10 quilômetros, nos dias 30/1 (Santa Teresa) e 20/2 (Sério); com cem quilômetros, de 26 a 28/2 (iniciando em Marques de Souza e chegando ao Cristo Protetor em Encantado).
Informações: passeiosnacolonia.com.br ou no WhatsApp (51) 9-9583-2672.
Pela Capital
Graduado em História, William Raencke tem formação como guia de turismo especialista em atrativos naturais e é guia voluntário no projeto Free Walk POA. Mas esqueçamos por ora os trajetos no asfalto e nos concentremos em roteiros pelos morros da Capital que William e outro guia do Trilhando POA criaram e chamam de “trilhas interpretativas”, já que vêm acompanhadas por informações geográficas, geológicas e históricas.
— A ideia é buscar uma conexão das pessoas com o lugar e não apenas caminhar para tirar fotos — explica William, 32 anos.
Iniciadas em setembro de 2020, as caminhadas contemplam mais de 20 roteiros por Porto Alegre e cidades vizinhas. Há desde trajetos para iniciantes, em parques como o Jardim Botânico, até os mais longos e com alguma dificuldade, como a trilha de 12 quilômetros do Morro São Pedro (uma das mais bonitas, com nascentes, figueiras e som do ronco do bugio-ruivo) ou do Morro do Itacolomi, em Gravataí, considerada uma “escalaminhada”.
Durante a semana, os roteiros são personalizados. Aos finais de semana, William chega a fazer quatro trilhas, uma por turno. Na pandemia, os grupos têm sido de no máximo oito pessoas, mas podem chegar a 20, acompanhados por dois guias.
Preste atenção: por conta da insegurança sanitária, a agenda é mensal e sujeita a alterações. Os valores variam conforme a trilha. Em geral não estão inclusos água ou lanche e transporte, mas marcado um ponto de encontro (consulte, já que há variações).
Informações: @trilhandopoa no Instagram.
Pelas trilhas de Itapuã
Uma boa opção na Região Metropolitana é caminhar pelo Parque Estadual de Itapuã, em Viamão, que reabriu as trilhas em dezembro. Há três percursos: da Onça (com 3,2 quilômetros), da Visão e da Fortaleza (que chega a 7,6 quilômetros). Os grupos são de no máximo 10 pessoas.
Preste atenção: é preciso apresentar comprovante de vacina; de quarta a domingo, com agendamento com três dias de antecedência pelo e-mail condutores@gmail.com e Instagram @condutoresitapua; valores variam de R$ 35 a R$ 45 por pessoa, além do ingresso ao parque (R$ 18,51); cada um deve levar sua água e lanche.
Pelas Missões
Desde 2005, o Caminho das Missões promove trilhas de quatro, nove ou 14 dias pelos Sete Povos. Em 2019, também lançou o Camino de las Misiones, abrangendo Brasil, Argentina e Paraguai, com até 30 dias de caminhada e 750 quilômetros (roteiro suspenso pela pandemia).
As caminhadas nacionais, tanto em grupo como autoguiadas, foram retomadas em setembro passado, e o calendário de 2022 está disponível no site, mas depende das condições sanitárias, ressalva uma das diretoras da operadora, Marta Antônia Benatti. Também costumam ser organizadas caminhadas especiais, como no Carnaval e na Páscoa. Quase a totalidade é percorrida em estrada de chão, com média diária de 25 quilômetros (variando de 17 a 30 quilômetros, dependendo da infraestrutura de hospedagem, que é feita em hotéis, pousadas e propriedades rurais onde as pessoas podem participar de atividades campeiras). Nas noites, os peregrinos são brindados com causos e música missioneira.
Para quem faz a caminhada por conta própria, na rota autoguiada, há um mapa descritivo, com telefones dos guias e hospedagens, mas a indicação é fazer contato para garantir a disponibilidade.
Preste atenção: os grupos são de no mínimo seis e, no máximo, 12 pessoas. Para os trajetos mais longos, a recomendação é fazer um check-up e caminhadas preparatórias.
Informações: caminhodasmissoes.com.br.
Por Santo Antônio da Patrulha
Os percursos de 12 ou 18 quilômetros, criados em 2014 em Santo Antônio da Patrulha, surgiram pela determinação principalmente de dois antigos companheiros de caminhadas: Jaime Nestor Müller, 72 anos, e Tilton Martins dos Santos. O esforço dos dois, abraçado pela comunidade e referendado pelo Consulado da Espanha, oficializou o chamado Caminho Gaúcho de Santiago.
Quase 11 mil pessoas já o percorreram, é trilhado quase todo em estrada de chão, as vistas da Lagoa dos Barros e da Serra Geral são grandes atrativos e termina na igreja matriz bicentenária. Como o ponto de partida fica distante do Centro, uma empresa de turismo se encarregava da logística, mas há pouco desistiu do serviço e a prefeitura prepara nova licitação. É preciso ressaltar que o caminho é autoguiado e, com grau de dificuldade moderado, pode ser feito sem condutores.
Müller, Tilton e mais dois guardiães se encarregam de avisar quando algum trecho não está em boas condições. Há sinalização com azulejos coloridos em postes de pedra e, na zona urbana, setas amarelas no chão. Os caminhantes, que no início causavam estranheza aos moradores, passaram a ser acolhidos por eles. Muitos oferecem água, alguns instalaram capelinhas, e surgiram pequenos negócios – calcula-se que tenha rendido cerca de R$ 1,5 milhão ao município.
Preste atenção: o trajeto de 12 quilômetros começa na parada 197 da RS-030, na Tenda do Floriano; o de 18 quilômetros se inicia na parada 209, na Agasa. Na chegada, os peregrinos encontram a igreja de Santo Antônio aberta até as 18h.
Informações: fones (51) 3662-8559 e 3662-8561.
Para quem quer ir mais longe
Quem quer ir além das caminhadas aqui citadas pode contar com o apoio da Associação dos Amigos do Caminho de Santiago de Compostela do RS (Acasargs). Em reuniões e caminhadas mensais, os voluntários ajudam futuros peregrinos: nas reuniões, há relatos de experiência e palestras sobre história, infraestrutura e preparo físico; nas caminhadas preparatórias, os interessados aprofundam a experiência com quem já fez o caminho.
— As conexões feitas em uma caminhada geram amizades e momentos de pura gratidão – observa a presidente da associação, Adriana Reis.
A associação criou o Caminho de Porto Alegre, que no dia 24 de abril terá sua quarta edição. Ele liga a Catedral Metropolitana, na Praça da Matriz, ao Santuário Santa Rita de Cássia, no bairro Guarujá, em 23 quilômetros.
Preste atenção: a primeira caminhada em 2022 será em 5 e 6 de março. A partir daí as caminhadas serão mensais. Qualquer pessoa pode participar.
Informações: acasargs.com.br.
Em qualquer ponto do Estado
As estações de Kuka
Quem decide a agenda dos roteiros de Edson Mazera, o Kuka, é a estação do ano: na primavera/verão, à beira do mar, de lagoas ou áreas com sombra. No outono/inverno, os Campos de Cima da Serra e região. Mas certo é que todo fim de semana tem caminhada.
A duração pode variar de um a oito dias, a distância, de 15 a 200 quilômetros.
Sediado em Dois Irmãos, Kuka, 50 anos, é guia de turismo registrado no Cadastur e trabalha como profissional há seis anos, mas se diz aventureiro há mais de 30. Ele vê interesse maior pela atividade:
— As pessoas estão procurando ar puro e mais silêncio, fugindo do caos das grandes cidades.
Às vezes, as caminhadas são temáticas, como a da Cerveja, em Dois Irmãos, e a do Pêssego, entre Sapiranga e Morro Reuter. E aí ele aposta em parcerias com restaurantes, pousadas ou famílias para alimentação e hospedagem.
Preste atenção: o calendário de verão vai até 20 de março.
Informações: pelo Instagram @kuka_mazera_caminhadas.
Trilhas & Montanhas
Há uma década, Luís Leandro Grassel, 46 anos, criou um circuito de corridas por áreas rurais. Com o evento e uma empresa consolidados, com sede em Santa Cruz do Sul, em 2018 surgiu a demanda de associar caminhadas contemplativas.
Graduado em Educação Física e com formação de guia de turismo, Grassel conta que, na última etapa de 2021, em Carlos Barbosa, 120 pessoas fizeram a caminhada. A modalidade é a que mais cresce entre as atividades oferecidas: 300% desde a criação.
O circuito tem 10 corridas por ano, em diferentes localidades, e as caminhadas costumam ser no mesmo número.
— 70% do público é formado por mulheres que buscam as caminhadas para melhorar a saúde — diz Grassel.
Preste atenção: cada evento ocorre em um lugar diferente e não é oferecido transporte, só indicado o ponto de encontro, mas há pontos de alimentação e hospedagem, com fiscais e atendimento de emergência.
Informações: pelo Instagram @trilhasemontanhas_esportes.
Dois personagens
A CAÇADORA DE CAMINHADAS
Na minha incursão pelo interior de Teutônia, conheci Marli Hatje, 54 anos, formada em Jornalismo e Educação Física, com mestrado e doutorado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), hoje coordenadora do curso de Educação Física-Licenciatura da UFSM. Nos últimos meses, ela percorreu dezenas de quilômetros por pelo menos 10 cidades. Do coração do Estado, viajou a lugares tão distintos quanto Dois Irmãos, Gramado ou Santo Ângelo. Marli pesquisa onde há grupos organizados, viaja até o lugar, caminha e volta para casa. Qual a motivação? Ela responde:
— As caminhadas em meio à natureza são meu principal lócus motivacional para sair de um ambiente de trabalho onde fico muito tempo sentada em frente ao computador. Participo de diferentes grupos no Estado. Meus principais fatores de motivação: me exercitar, me sentir bem, ter qualidade de vida, fazer novas amizades e conhecer novos lugares. Nos últimos meses, percebi que os coordenadores das caminhadas estão procurando inovar, agregando o fator surpresa, o que é maravilhoso. A cada caminhada me motivo mais, me mantenho mais disposta, alegre, animada e feliz.
O VOLUNTÁRIO DE SALVADOR DO SUL
Em 2017, aposentado após quase 40 anos de trabalho na Votorantim, em Esteio, Miguel Darski mudou-se com a esposa para Salvador do Sul, no Vale do Caí. Com poucas atividades e poucos conhecidos, ele, que já fazia caminhadas na Serra, buscava grupos semelhantes na cidade de 7 mil habitantes. Não havia, e Darski lançou a ideia no Facebook. Foi um sucesso. Tanto que, em 2019, a prefeitura pediu que ele organizasse um roteiro a pé como parte das atividades da Festur e, na segunda edição, 200 pessoas trilharam os 20 quilômetros.
Até o início da pandemia, Darski e seu grupo faziam percursos de 15 a 30 quilômetros a cada dois meses. Depois, passou a andar sozinho ou com poucos amigos. Mesmo assim, em 2021, traçou 2,3 mil quilômetros, e o grupo de WhatsApp reúne cem participantes. Às terças, quintas e aos finais de semana, ele informa horário, local de saída e quilometragem e cada um vai por conta, levando água ou lanche. Já nas caminhadas grandes, há participação da prefeitura e de uma empresa para a infraestrutura. Aos 71 anos, ele resume a atividade:
— Fiz amizades, me integrei à comunidade e conheci a região.
Dicas para os caminhantes
Caminhar é uma atividade com poucas restrições, mas há pontos de atenção. Confira cuidados e benefícios listados por Daniela L. dos Santos, professora da UFSM, com pós-doutorado em pesquisas em prevenção na Stanford University (EUA).
CUIDADOS
- Use roupas leves
- Escolha um calçado adequado, de acordo
- com o terreno
- Use protetor solar
- Faça alongamentos antes de iniciar a caminhada
- Em uma trilha mais longa, leve fruta ou mix de grãos para ajudar a manter sua glicemia em níveis normais
- Hidrate-se
- Ao fim, alongue os membros inferiores (panturrilha e coxa) e os músculos das costas (coluna lombar), grupos musculares mais exigidos no exercício
BENEFÍCIOS
- Caminhar gera menos impacto do que outras atividades como a corrida
- Por ser um exercício aeróbico, ajuda a prevenir doenças cardíacas e metabólicas, como hipertensão e diabetes
- Há um gasto calórico interessante, auxiliando no processo de emagrecimento
- Melhora a capacidade respiratória e fortalece os músculos dos membros inferiores
- Auxilia na modulação hormonal, melhorando o humor e diminuindo sintomas de ansiedade e depressão