Não é só uma impressão. Cada vez mais gente viaja por aí de bicicleta. O cicloturismo, que vinha crescendo no Estado, ganhou impulso extra com a pandemia. Em janeiro, mereceu também parte de uma verba do projeto Avançar, do governo estadual: R$ 26,8 milhões devem ser investidos em ciclovias e ciclofaixas na Serra, no Alto Uruguai, nos vales do Paranhana e Taquari e em Santa Rosa. No último dia 8, um projeto para incentivar o cicloturismo, de autoria da deputada Zilá Breitenbach (PSDB), ganhou aprovação unânime da Assembleia.
O projeto da Secretaria de Turismo do Estado (Setur) e dos cicloturistas é ambicioso: criar uma grande rede de rotas interligadas no território gaúcho. Até agora, em consulta com 15 regiões, Álvaro Machado, técnico da Setur há 28 anos e atual secretário-adjunto, diz que foram mapeados 78 roteiros — faltam 11 regiões para finalizar a radiografia.
— Já existia um movimento, mas eram coisas isoladas. Um pouco antes da pandemia essa demanda veio forte, e os prefeitos começaram a pedir apoio. Depois, estourou, quando as pessoas descobriram que era bom fazer turismo de bicicleta, perto de casa — observa Machado.
Luis Marcelo Rodrigues, proprietário da Nomas, empresa com sede em Caxias do Sul que dá cursos e consultoria para empresas públicas e privadas e trabalha na criação de roteiros de cicloturismo, faz coro sobre a tendência.
— É a bola da vez. É uma atividade com um certo distanciamento, mais dinâmica do que a caminhada e mais prazerosa do que a corrida — diz ele, que é técnico especialista em sistemas de gestão de segurança da ABNT em turismo de aventura.
Luis Marcelo, que atua no turismo de aventura há 27 anos e hoje pedala mais a trabalho do que por lazer, adverte que o cicloturismo, como outros tipos de turismo, oferece perigos e é preciso estar atento às normas de segurança (leia mais abaixo).
O público do cicloturismo no RS, segundo ele, ainda é, na maioria, formado por grupos de amigos que percorrem distâncias menores. Uma outra parte, a minoria, por cicloviajantes em deslocamentos ainda mais autônomos. O público médio, que cresce aos poucos, é aquele que pedala em média 30 a 50 quilômetros, integrado por casais ou famílias.
Esses dados são frutos da percepção do trabalho de Luis Marcelo, já que estatísticas quase não existem. Com a Nomas, ele ajudou a formatar rotas e circuitos, incluindo o da Rota Romântica. Atualmente, trabalha em projetos para 12 municípios e consórcios.
— Ainda são poucos os roteiros que podem ser considerados "prontos". É preciso aperfeiçoá-los e um dos papeis da secretaria é organizá-los como produto — diz Álvaro Machado.
A ideia é que todos sejam sinalizados e contem com pontos de apoio para informações, hidratação, pequenos consertos. E, aos poucos, surgem bares temáticos, hospedagens rurais e outros serviços. Bom para os cicloturistas, bom para o turismo.
Agacitur: unidos pelo pedal
Se é recente o interesse dos gaúchos pelo cicloturismo, mais ainda a Associação Gaúcha de Cicloturismo (Agacitur), criada no início de 2021. Guilherme Rodrigues, 32 anos, coordenador de Mobilidade e de Rotas da Agacitur, conta que ela surgiu para reunir os incentivadores da atividade, agregados a partir de um grupo de Santa Cruz do Sul.
— Já havia uma onda vinda da Europa e da América do Norte, que se intensificou, e passaram a surgir as rotas, mas não havia conversa entre as organizações. A Agacitur quer unificar isso, com foco no turismo — diz Guilherme.
O projeto âncora da associação é contribuir para unir os roteiros, a exemplo do que existe na Europa e nos EUA. Um site com informações completas é outro objetivo.
Ciclista desde sempre, Guilherme se considera cicloturista nos últimos cinco anos, quando traçou rotas maiores, muitas no RS e no Exterior: viajou pelo litoral uruguaio, do Chuí a Montevidéu; depois, pela região das Missões argentinas, e pela carretera austral, no Chile, de Puerto Montt a Puerto Tranquilo, percorrendo 1000 quilômetros. Guilherme não costuma registrar a quilometragem, prefere usar a bateria do celular para se situar nos roteiros, ainda que não seja o único meio usado.
— A beleza do cicloturismo é também parar e perguntar. A conversa enriquece muito a viagem — diz ele, que se emociona ao lembrar especialmente de um contato.
Na viagem ao Chile, passou por Villa Santa Lucia, que havia sofrido uma enxurrada responsável por 21 mortes e um grande trauma. Com chuva e frio, perguntou à atendente de um café onde poderia acampar em local coberto. Ela pediu para que esperasse uns minutos e voltou com a resposta: Guilherme seria abrigado na casa da mãe dela. Depois, ele descobriu que a mulher tinha perdido um filho na inundação e sentiu que devia acolher aquele jovem aventureiro. Bastou um gesto para transformar a viagem.
Para entrar em contato com a Agacitur: @agacitur, @associacaogauchacicloturismo e agacitur@gmail.com
Vantagens do cicloturismo
- Permite contato mais intenso com a natureza, a cultura local e o interior dos municípios
- O turista sente-se autônomo, e as paradas são ilimitadas, para fotografar e curtir o visual
- É uma forma mais barata de viajar, com deslocamento rápido
- Exercício físico saudável, pode ser praticado de forma individual ou coletiva
- Pode ser uma porta aberta para qualquer município trabalhar o turismo e ajuda a pulverizar a economia local
- É sustentável, baseado em três pilares: econômico, distribui renda; ecológico, não gera emissão de gases; e social, incentiva ações para mobilidade urbana melhorando a qualidade de vida local
- Acompanhado de condutores de ecoturismo/turismo de aventura, o contato com o meio pode ser facilitado e a experiência, mais contextualizada e segura.
Segurança e equipamentos
- A condição física é o marco zero para a atividade
- As bicicletas vão das mais simples às mais sofisticadas, mas a dica é que sejam capazes de enfrentar terrenos irregulares — as do tipo mountain bike, com suspensão dianteira, são consideradas mais adequadas
- É preciso seguir as normas técnicas de segurança, usando capacete, luvas, óculos, roupa adequada e bicicleta sinalizada
- Trata-se de uma atividade de aventura e necessita atenção: procure rotas autoguiadas que forneçam arquivos GPX, baixe em aplicativos de celular ou GPS para seguir o caminho pretendido; sempre avise alguém onde estará pedalando; verifique serviços oferecidos nos trechos como hospitais, bicicletarias, hospedagem e alimentação
- Com a exposição ao ar livre, é fundamental não só protetor solar, mas também repelente para mosquitos e abelhas
Fontes: Álvaro Machado (Setur), Guilherme Rodrigues (Agacitur) e Luis Marcelo Rodrigues (Nomas)
Cinco roteiros no RS
- Circuito Rota Romântica, 355 Kms (14 municípios)
- Circuito das Cascatas e Montanhas, 123 Kms, entre Rolante, Riozinho e São Francisco de Paula
- Pampa de Bike, 96 Kms, entre a Vinícola Peruzzo (Bagé) e a Cerros de Gaya Vinhas e Olivais (Dom Pedrito)
- Três rotas em Garibaldi
- Sete Rotas em Gramado