Sou fanática por céu estrelado. Coloco no alto do pódio dos mais bonitos o da cidade onde nasci. Um céu aveludado, sem o ofuscamento da iluminação das grandes cidades. Já fiz tour astronômico no deserto para admirar astros e estrelas e o encanto que cultivo desde a infância só aumentou.
Pois nesta última semana, em que me transportei para o teletrabalho e o confinamento imposto pelo coronavírus, não é que passei a reparar mais no céu de Porto Alegre - por coincidência, semana do aniversário da Capital que adotei como minha.
Poucas vezes consegui ver estrelas tremeluzindo nele,
mas acho mesmo que nunca olhei direito.
Não só as noites, mas os últimos dias também se revelaram mais luminosos. Típicos dias de outono, ainda que um pouco quentes.
Contrassenso ou consolo?
Prefiro pensar em consolo, para nos trazer um pouco de paz nessa hora de desassossego.
As janelas viraram de fato nossas janelas para o mundo, entre uma e outra rara ida a supermercado ou farmácia. Não que não olhasse a vida desde as minhas, mas parece que ficaram ainda mais interessantes.
As caturritas que habitam o coqueiro à vista de uma delas têm sido minha companhia no início da manhã e no final da tarde. Como gritam! Mas me causam alegria e não irritação. Nunca!
E não é que não tinha percebido que havia galhos secos na araucária da outra janela? Nunca reparei se ela dá frutos, mas me lembrou que a safra do pinhão começa agora, no início de abril.
Do jacarandá do outro lado não espero nada além de seu verde frondoso. Não há flores e nem haverá tão cedo, essas se manifestarão lá para a época de nossa Feira do Livro, em outubro/novembro. Elas virão, basta esperar.
Da janela do meu quarto vejo a rua inteira. Ela foi tristemente perdendo as casas aos poucos, desde que me mudei para cá, mas, preciso reconhecer, ficou mais cuidada. Vez que outra passa um motoboy apressado, um carro de som de um mercado popular com música tradicionalista pedindo que "não se assustemo"... É difícil, mas tenho tentado me assustar apenas o suficiente.
A caminho da cozinha para buscar um copo de água, no final da tarde, com sorte vejo o pôr do sol - as horas passam tão rápido no escritório que virou meu local de trabalho, que às vezes esqueço. É mais bonito ainda no outono, não vejo motivo para os porto-alegrenses não se orgulharem dele - lá de vez em quando, bairrismo faz sentido.
É incrível lembrar que, 12 meses atrás, nos 247 anos da cidade, publiquei neste mesmo espaço uma caminhada feita com o pessoal do Free Walk POA pelo Centro Histórico.
Os passeios estão interrompidos desde o último 16 e ainda vão demorar a retornar. Ficarei ansiosa por esse reencontro. "Há tanta esquina esquisita, tanta nuança de parede" para rever, diria o poetinha.
Enquanto isso, fico (re)enxergando a cidade da minha janela. Ela e eu teremos muitos aniversários a comemorar.