(Fotos: Space/Divulgação) Depois de observar o céu a olho nu, as pessoas são levadas a um parque com 10 telescópios
Vou contar como eu fiz e tentar descrever o que eu vi: A cerca de 15 quilômetros de São Pedro de Atacama, está um dos melhores lugares do mundo para se obervar o céu
O Projeto alma
Nunca pensei que ver estrelas pudesse me fazer tão feliz. Nem imaginei que fosse incluir a observação do céu, que está todos os dias sobre nossas cabeças, em um dos momentos mais especiais que já vivi (eu que achava que via a abóbada mais linda de todas na minha cidadezinha natal... ou que a havia recuperado numa recente noite estrelada no descampado de uma fazenda, no meio do nada, num país vizinho...).
Explico minha recente surpresa, a do céu mais lindo que jamais havia visto. Quando agendei minha viagem ao deserto do Atacama, ao norte do Chile, sabia que deveria fazer os passeios mais óbvios e, ao consultar gente que havia estado lá, ouvia sobre o que me diziam ser menos óbvio:
- Eu não fiz, mas tu não deves deixar de fazer.
Mais do que as lagunas altiplânicas, para lá do Vale da Morte, muito além dos gêiseres del Tatio, muitos me recomendaram o tour astronômico, um passeio para, resumindo, observar estrelas.
Eu sabia que o deserto, um dos mais secos e dos mais altos do mundo, era um lugar ideal para se observar o céu e sabia do interesse científico que ele desperta, exatamente por essas características (veja, no box, um resumo sobre o projeto Alma, instalado na redondeza). Ainda assim, estava reservada a surpresa do encantamento.
- Muito em cima da hora, um dia antes de viajar, tentei reservar por e-mail minha vaga no passeio, com essa que me disseram ser a única empresa séria. Como não obtive resposta a tempo, no meu primeiro dia em San Pedro do Atacama, cidadezinha no meio do deserto, fui até ela (na rua principal, a Caracoles, 166) e comprei meu bilhete para aquela noite mesmo. Custa 18 mil pesos chilenos por pessoa (cerca de R$ 80).
- Como o lugar fica a uns 15 quilômetros do centro, eles oferecem transporte (incluído no preço), que se pega na esquina da agência. Para o retorno, deixam próximo aos principais hotéis (eles alertam que não buscam nem levam aos hotéis).
- O passeio tem duração de cerca de três horas e, dependendo da estação, começa às 19h ou às 21h. Como faz muuuito frio no meio do deserto, é preciso ir muito bem agasalhado (incluindo luvas, gorros, mantas e casaco pesado). O tour é feito em espanhol, inglês ou francês, com um número mínimo de 12 e máximo de 24 pessoas.
ATENCÃO: ele não acontece em noites de lua cheia e nem se o céu estiver nublado (o que é meio raro, já que os dias de céu limpo são, em média, 300 por ano) e pode ser cancelado minutos antes de se iniciar.
Considerando tudo isso, tive sorte. Nessa noite pela qual optei, havia tour em espanhol e a noite estava lindíssima (eu já tinha achado isso vendo o céu sob a pequena cidade iluminada, sem saber o que me esperava). Me postei na esquina minutos antes do horário previsto e fiquei esperando o micro-ônibus. Em seguida foi chegando mais gente - um que outro brasileiro, hispanohablantes e italianos. Deviam ser uns 20, no máximo.
Para descongelar, ao final, conversa e chocolate quente
Encantamento coletivo
Quando subi no ônibus, atrás de mim entrou um gurizão carioca resmungando. Estava arrependido por ter agendado aquele passeio que seria o terceiro de seu dia. Ele me contou que tinha ido até o Vale da Morte de bicicleta e estava exausto. Achou que ia dormir sob as estrelas, de tão cansado. E assim seguiu se estremunhando no caminho até chegarmos ao pequeno oásis astronômico. Lá pelas tantas, ele mesmo interrompeu sua fala, olhou pela janela e só exclamou:
- Caraca!
Acabaria aí o cansaço do carioca extenuado e começaria um encantamento coletivo. Não consigo encontrar outra imagem para descrever: sabe aquele veludo azul-noite crivado de estrelas de papel dourado que se usava nas peças teatrais da escola ou que enfeitava o céu falso de imagens na igreja? Isso! É tão real, próximo e bonito, que parece de mentira.
E se vai descendo do ônibus aos tropeções, porque a iluminação ali é muito sutil, já de pescoço erguido para o infinito que, a essa altura, parece que se pode alcançar com a mão.
Alerto aqui que, descrito, pode parecer uma "indiada" para alguns. É que não é nada confortável ficar durante uma hora e meia de pé, de cabeça erguida, no escuro, no frio. Não é mesmo. Mas juro que não vi o tempo passar. Descobri que tinha faltado a todas as aulas de geografia, pois não sabia nada do que me explicaram ali, e a cada vez que Alejandra, a anfitriã e guia de nosso tour, apontava com o laser para uma estrela, para uma nebulosa, para a Via Láctea, para o Cruzeiro do Sul... era tudo uma grande novidade. Eu sabia e já tinha visto, mas nunca assim... A linguagem é simples, e a tentativa é de tornar todos os mistérios do céu em algo mais palatável, quase palpável, já que o raio de laser parece encostar em cada uma das 8 mil estrelas visíveis a olho nu.
Feito isso, se caminha, ainda aos tropeções, até um parque com 10 telescópios que têm entre 20cm e 70cm de diâmetro, posicionados para pontos específicos e que mostram detalhes impossíveis de se ver a olho nu. Depois de um recorrido conjunto, cada um fica livre para percorrê-los e rever o que mais gostou.
E aí, quando se está totalmente congelado ainda que embevecido pelas estrelas, nos convidam a entrar numa pequena sala com um miniauditório, quentinho e aconchegante, para tomar um chocolate, chá ou café e perguntar, tirar dúvidas ou ouvir explicações do partner de Alejandra, Alain, um astrônomo francês que há pouco mais de uma década se apaixonou por Alejandra e pelo Atacama (não necessariamente nessa ordem) e se instalou por ali. Aquecidos e com a simplicidade com que Alan fala, os mistérios do universo parecem se desvanecer de vez. Para mim e para outros, que até criam coragem para perguntar o que jamais se perguntaria a um cientista.
Ao ver o cartaz engraçadinho na porta do toalete onde se vê a imagem de um disco voador e a inscrição "zona de abdução", um dos visitantes arrisca a pergunta:
- Desculpe perguntar, mas o senhor, em 40 anos, viu algum objeto estranho por aqui?
- Olha, os objetos mais estranhos que eu vejo por aqui são turistas - responde o astrônomo, entre bem-humorado e irônico.
Turista como eu só, estranha como eu só, nesta noite, além da minha ignorância, mais uma vez reafirmei minha pequenez diante de tudo.
Inaugurado em março deste ano, o observatório Alma (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) tem telescópios gigantescos e foi construído em colaboração entre Europa, Estados Unidos, Taiwan, Japão e Chile. Está situado a 5 mil metros de altitude, na planície Chajnantor, ao pé dos Andes, onde fica o conjunto de 66 antenas, próximo a San Pedro de Atacama.
Com elas será possível ver detalhes nunca antes observados do nascimento das estrelas e de planetas em formação, por exemplo.
A construção foi iniciada uma década atrás e o custo final deve ficar em mais de 1 bilhão de euros. Como ainda não está totalmente pronto, apesar de já inaugurado, um programa de visitas aberto ao público está previsto apenas para 2014.
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