Às vezes me pergunto como pode a gente demorar tanto tempo para voltar a um lugar num Estado relativamente pequeno como é o Rio Grande do Sul. Mas é que há tanto mundo para se conhecer, não? E aí acontece o que se deu comigo: ao chegar a Flores da Cunha fui contar os anos e faltaram dedos. Fazia quase duas décadas que não voltava à simpática cidade da serra gaúcha. Demorei tanto e nem pude me hospedar nela – um evento de uma empresa e um casamento lotaram os hotéis locais. Ok, sem problemas. Há tempos mesmo eu também queria conhecer uma pousada do interior de Caxias do Sul – a Hospedaria Rio do Vento (no Km 154,8 da RSC-453, na Rota do Sol), a uns 10 quilômetros de distância do meu alvo. E é por ela que começa esse roteiro de final de semana, nesta seção inspirada no 36 Hours do New York Times.
1 — Sábado de manhã
Saída cedinho de Porto Alegre, para aproveitar o dia lindo de sol. São quase 150 quilômetros até Flores da Cunha. A viagem de pouco mais de duas horas excepcionalmente não teve paradas – poderia ser mais rápida não fossem trechos tão ruins na estrada nos arredores de Caxias. Eu já sabia o que esperar da pousada onde ficaria, mas ainda assim a Rio do Vento (foto) e o restaurante Barlavento surpreenderam. A construção da hospedaria teve como base um casarão de 1871 da região das Missões. Se você já esteve na Patagônia, perceberá a influência também das casas daquela região. Tudo muito simples e rústico, mas confortável – o cheiro da madeira, para quem tiver alguma sensibilidade extra, pode incomodar, o que não foi o meu caso. Depois de me acomodar, ainda cedo para o almoço, mas longe para o café, pedi no restaurante um suco de morango e um La Pedrera (pãezinhos recheados com carne de panela desfiada ao molho). Quase acabou com o almoço, porque a entrada era tão boa, que comi demais. Também mudei meu conceito sobre morangos: na propriedade há uma plantação hidropônica, onde eles são cultivados em estufas com música ambiente, o que talvez torne a fruta tão especial. Resultado: consumi suco, drink, iogurte, geleia e o que mais me ofereceram à base de morango.
2 — Sábado ao meio-dia/tarde
O almoço estava reservado no Clô Restaurante da Vinícola Luiz Argenta, em Flores da Cunha (Avenida Vinte e Cinco de Julho, 700). Eu conhecia o vinho, mas não a vinícola instalada em 2009 – a propriedade, adquirida pelos irmãos Argenta em 1999, pertencia à antiga Granja União. Chama atenção o contraste entre o casarão antigo de madeira da entrada – onde fica o Clô Wine Bar –, e o prédio moderno da vinícola, numa parte mais alta do terreno. É lá o restaurante que funciona de terça a domingo para almoço com uma sequência de pratos (R$ 109 por pessoa). Escolhi um vinho rosé para acompanhar. Mas vá devagar no vinho se, como eu, tiver reservado a visita com degustação. O tour de uma hora (R$ 50 por pessoa, incluída uma taça de vidro) começa pela parte mais alta, de onde se enxerga parte dos 55 hectares de vinhedos e se faz um brinde com um espumante. Depois vêm vinhos brancos e tintos, esses últimos servidos na cave (foto), que é um capítulo à parte – o enólogo que acompanha a visita faz suspense na hora de adentrar o “cofre” onde toca Tom Jobim 24 horas por dia e a luz e a temperatura ajudam a manter o vinho em condições ideais.
3 — Sábado tarde/noite
Hora de caminhar. O centrinho de Flores da Cunha é de uma limpeza e um cuidado que poderiam servir de modelo a toda terra: crianças brincando no playground bem conservado, o trecho da frente da praça/igreja fechado para pedestres, gente cantando na rua… Pena o Insieme Café, da esquina, estar fechado (um cartaz avisava que os proprietários viajavam pela Itália para trazer novidades/referências) – um cafezinho ali, vendo a vida passar, teria sido perfeito. Fiquei andando pela cidade, entrando em pequenos negócios e, no final do dia, ainda subi até o Parque da Vindima Eloy Kunz para ver o por do sol e ir a uma feira que ocorria por lá. Para encerrar, a pizza do Chef Bio, recomendada por mais de uma pessoa com quem falei, não decepcionou e assim como uma cerveja artesanal local, descontado o meu amadorismo no tema.
4 — Domingo de manhã/meio-dia
O café da manhã com iogurte (de morango!), pão, bolo, frutas, suco… foi relativamente cedo. Queria ir até Ana Rech, distrito de Caxias do Sul, onde nunca havia estado. A igreja de Nossa Senhora do Caravaggio, no ponto mais alto, se destaca. É uma igreja do início do século 20, com o teto e o coro de madeira pintados. Outra atração local que visitei foi o Castelo Lacave, réplica de um mosteiro medieval espanhol do século 11 que já abrigou uma vinícola (no momento em reestruturação), e hoje tem restaurante, recebe eventos e pode ser visitado apenas em tours guiados de hora em hora de terças a domingos. Perdi a hora, então só pude ver a parte externa e o hall de entrada. De volta para a pousada, onde tinha reserva para o restaurante Barlavento, concluí a orgia gastronômica do final de semana: massa com carne de panela, bolinho de aipim recheado com pesto, bifinhos rolê. E ainda saí carregada com iogurte, geleia, pão… Tudo fresco vendido ali mesmo.
5 — Domingo à tarde
Outra atração na minha lista, antes de pegar a estrada de volta, era o Casarão dos Veronese, construção de 1898 típica do período da imigração italiana, no interior de Flores da Cunha.
É obra do imigrante Felice Veronese, que chegou a ser o maior produtor de vinho da região.
A casa passou pela mão de outras duas famílias até ser comprada pela prefeitura e tombada. Recuperada entre 2015 e 2017, é agora um centro cultural, com salas de exposição e oficinas de gastronomia (o bistrô previsto no projeto ainda não está instalado). E aí mora minha preocupação: na estrutura maravilhosa, a impressão é de que falta um pouco de vida, embora em 2018 tenham passado por ali 18 mil visitantes (o local está com novos horários, veja antes de ir). A 20 quilômetros dali, já no município de Nova Pádua, também conferi a renovação do Belvedere Sonda, um mirante onde há restaurante, café, loja de artesanato, pousada, área para piquenique. Um lugar vivo, do qual já falei aqui. Encerrei o final de semana com a sensação de ter deixado muita coisa para trás e a certeza de que não posso demorar tanto tempo para voltar.