Esta foi minha terceira incursão pela Capital para a série inspirada no "36 Horas", do New York Times. Desta vez, tive mais sorte do que nas anteriores: o sábado estava lindo, com temperatura ótima. Meu destino: a Rua da Praia, ou dos Andradas, como preferirem, esta nossa velha conhecida, maltratada menos pelo tempo e mais por nossos governantes e por nós mesmos, moradores que não lhe damos o devido valor. Fui de uma ponta à outra, começando pela Praça Dom Feliciano (a da Santa Casa) e indo até a Praça Brigadeiro Sampaio (bem perto da Usina do Gasômetro). Vamos à sequência.
Eu sabia que fecha aos sábados, mas recomendo para quem for durante a semana: comece pela Confeitaria Princesa (número 1.812), que está ali desde 1960. Sempre que posso, dou uma passada para comer o cachorro-quente de pão quentinho e caseiro, com a salsicha e o molho que tem aquele não sei que tão simples e tão bom, com um guaraná pequenininho. Na calçada oposta está outro clássico do Centro Histórico, que merece uma olhadinha na vitrine: a galeria Edelweiss. E, logo, abaixo, à direita, o Centro Cultural Cia de Arte, um espaço gerido por artistas, incluindo um pequeno teatro, em prédio cedido pela prefeitura.
No trecho da Praça Dom Feliciano até a esquina da Marechal Floriano, tirando os pontos mencionados acima, confesso que andei meio rápido, pela falta de gente na rua e de atrativos (sim, dá um certo temor caminhar sozinha e meio distraída por ali e, muito mais, fotografar). Mas não deixei de observar os prédios, incluindo o pintado de amarelo da esquina com a Dr. Flores e outros cobertos de azulejos portugueses, semiabandonados. Que pena! Na quadra que vai da Marechal Floriano à Borges de Medeiros, entre cartazes de "compro ouro" e ambulantes, desvie para reparar no antigo relógio da Masson, um símbolo, e nos dois pontos que vou descrever a seguir: a Galeria Chaves e o antigo prédio da Livraria do Globo, que desde 2012 abriga uma unidade das Lojas Renner.
Sou frequentadora assídua da Galeria Chaves (gosto de ir ao restaurante Sal Fino, no subsolo, e à loja Profana, no mesmo andar da Rua da Praia, ou de dar uma bisbilhotada em antigos LPs e CDs das lojas de discos). Nesse dia, tomei café da manhã no Café Chaves — pedi um cortado e uma medialuna, gigantesca, que me garantiu não sentir fome até bem tarde. Depois, no antigo prédio da Livraria do Globo, subi direto ao Memorial, onde já tinha estado, mas ainda não havia visto a estátua em tamanho natural do escritor Erico Verissimo, no endereço onde ele começou sua trajetória literária, colocada ali em meados do ano passado. E para tomar mais um espresso no charmoso café junto ao memorial.
Complicado transpor o trecho entre a Esquina Democrática e a Praça da Alfândega: o piso degradado _ sujo e quebrado _ e os vendedores ambulantes dominam a cena. Restam de legal, nesta quadra, as lembranças de interioranos, como eu, que visitavam as Americanas para andar de escada rolante e tomar sundae. Quase no final dela, um oásis: o Centro Cultural Erico Verissimo (ele, de novo!), no antigo prédio da CEEE. Eu segui em frente para conseguir cumprir minha jornada, mas não deixe de entrar e conferir o acervo.
Reservei para outra incursão a Praça da Alfândega, que estava nesse dia "descaracterizada" pela Feira do Livro, mas não só por isso: é que ela vale um capítulo à parte nesta série. Ultrapassando a Rua Caldas Júnior, chama atenção o prédio do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, que eu frequentei como estudante e, infelizmente, estava fechado. Deu nostalgia ainda o passo seguinte: o antigo cinema Cacique transformado nos últimos anos em um Zaffari — lembro de ter assistido, das escadas, por estar lotado, à estreia de A Lagoa Azul, no início dos anos 1980 (!).
Já no final da manhã de sábado, a Casa de Cultura Mario Quintana ainda estava de portas cerradas (a abertura seria só ao meio-dia). Então, segui adiante para retornar mais tarde. Obrigatória entrada no Beco dos Livros (número 697). Entre as milhares de obras, procurava O Gato, de Georges Simenon. Não achei, apesar da boa vontade das atendentes, mas me diverti circulando pelas prateleiras.
A área de quarteis das quadras seguintes da Andradas é bem-cuidada, tanto prédios quanto calçadas e piso. Deu gosto andar, com bastante gente circulando, com a calma típica dos sábados. Pela enésima vez, subi as escadarias da Igreja das Dores, a mais antiga da cidade, do século 19 e de tantas histórias — para mim, também a mais bonita — e, agora, finalmente restaurada.
Com as atenções voltadas para a Feira do Livro, havia pouca gente na quadra seguinte, onde fica a Praça Brigadeiro Sampaio, que costuma lotar, especialmente aos domingos, depois de sua recuperação. Na sequência ficam o Museu do Trabalho e a Usina do Gasômetro, ambos fechados (o Gasômetro, para reforma).
Com a tarde avançando, voltei à Casa de Cultura. Não é incomum visitá-la, mas nunca tinha parado para apreciar o Jardim Lutzenberger, no quinto andar. Mais um pequeno oásis no Centro. Sob um pergolado, aproveitei a sombra para ler e descansar um pouquinho.
O almoço seria no Café Santo de Casa, no 7º andar, com vista para o Guaíba.
Ao telefone, na mesa vizinha, um turista, com sotaque carioca carregado, declamava extasiado um clássico de Mario Quintana, o Poeminho do Contra, final perfeito para meu roteiro: