Já publiquei na coluna uma foto sobre Delft e disse que falaria mais sobre essa interessante cidade holandesa. Fica a uma hora e pouquinho da capital (de trem, é facílimo de ir) e, apesar de ser muito antiga, com registros desde os primeiros anos do século 11, tem um ar jovem. Menos pelo aspecto das construções de seu centro, que teve de ser reconstruído no século 17 após uma grande explosão e incêndio do arsenal de armas, e mais por sediar a Universidade Técnica, uma das principais do país.
Também ajudam a dar esse tom os turistas que transitam ali, pelas lindas lojas de porcelanas típicas, de cor azul, mas também para entender a história holandesa. O chamado "Pai da Pátria", Guilherme de Orange, foi assassinado e enterrado na cidade em 1584. Ele comandou a resistência ao governo espanhol na Guerra dos 80 Anos e a vitória resultou em liberdade religiosa e independência do país. Na mesma igreja onde está seu mausoléu, até hoje são sepultados os membros da família real. Este pequeno passeio de oito horas por Delft é mais um da série "Algumas horas em...", inspirada no 36 Hours do New York Times.
1 - Fazia muito frio ao chegar à estação ferroviária, no meio da manhã. Com mapa e aplicativo na mão, comecei a me embrenhar pelas ruas cortadas por canais. O destino óbvio era o Markt, a praça central, mas antes parei para um café no charmoso Koffie & Zo.
Como não resisto a uma torre, a primeira atração visitada seria a Nieuwe Kerk, a antiga igreja de Santa Úrsula, transformada em templo protestante e onde estão os mausoléus da família real mencionados acima. Além da arquitetura, uma viagem pela história, superinterativa. Interessada pela vista da cidade, comprei ingresso para subir na torre e lá fui escalar os cem metros de escada e seus incontáveis e estreitos degraus. Cansativo, mas compensador, como dá para perceber pela vista na imagem bem abaixo e no vídeo.
2 - De volta, com as pernas tremendo pelo esforço, desci e circulei pela praça que tem como um dos marcos o prédio da prefeitura, com características renascentistas. Também passei pela Koornbeurs, o antigo açougue decorado com cabeças de animais que também já abrigou a bolsa de valores.
Nessa mesma rua, poucas casas depois, encontraria meu destino para almoço, o Café Zondag, que se revelaria uma escolha perfeita, com comida boa e a queridice das meninas que atendiam e que recomendaram, como sobremesa, uma torta típica cujo nome não anotei e esqueci, mas com sabor registrado na memória.
3 - O dia, além de frio, reservaria chuva, sol, chuva congelada, sol... (veja no vídeo abaixo).
E assim segui circulando pelos canais e entrando em um e outro lugar para fugir da intempérie. Como a cidade é terra do pintor Vermeer, autor de Moça de Brinco de Pérola e Paisagem de Delft, não poderia deixar de visitar seu túmulo na Old Kerk, e de dar uma entradinha no museu (o Moça... que está ali é uma réplica, o verdadeiro fica em Haia). Ah, o inventor do microscópio também está sepultado na Old Kerk.
4 - Circular pelas ruas e canais é um exercício fácil. Difícil é observar tudo o que está à volta, com muitos prédios e referências históricas, sem contar as vitrines lindas, com objetos de design. Próximo da Old Kerk (guie-se pela torre, não tem erro), fica o Stedelijk Museum Het Prinsenhof, um antigo convento que abriga o museu histórico de Delft e o local onde Guilherme de Orange foi assassinado por um católico fanático. Dizem que ainda há nas paredes a marca dos tiros, mas confesso que não vi. Uma estátua do nobre marca o fato.
5 - Não poderia ir embora sem entrar nas lojas/ateliês da tradicional porcelana de Delft. Escolhi um ateliê que me pareceu mais simpático, ao lado da Nieuwe Kerk, onde uma artista, superconcentrada em seu trabalho, pintava (confira no vídeo).
A tradição se iniciou com a maiólica dos imigrantes italianos, que decoravam as paredes das casas aplicando a técnica em motivos holandeses (frutas, pássaros, depois moinhos, tulipas e flores em geral...) no século 16. Com o passar dos anos, tiveram a influência da técnica chinesa.
A cidade chegou a ser um dos mais importantes produtores de cerâmica da Europa, mas ela acabou saindo de moda e as fábricas foram fechando (das 33 que havia no apogeu da porcelana, resta só uma, a Royal Delft). Estava entusiasmada achando que encontraria peças mais bonitas e, quem sabe, mais baratas do que as das lojas de Amsterdã, mas me decepcionei.
As exclusivas eram caríssimas e mesmo os suvenires tinham preços mais altos do que os da capital. Saí com um pratinho, presente para um colecionador, mas feliz com meu passeio, que teria merecido bem mais do que algumas horas.