O primeiro debate de uma campanha eleitoral costuma ser uma espécie de exploração de território. Os candidatos fazem uma espécie de sondagem para tentar reconhecer as armas que os adversários usarão durante a campanha. Não foi diferente no primeiro debate após o encerramento das convenções, nesta terça-feira (6), na Rádio Gaúcha.
Por quase duas horas, Felipe Camozzato (Novo), Juliana Brizola (PDT), Maria do Rosário (PT) e Sebastião Melo (MDB) tiveram a oportunidade de mostrar aos eleitores de Porto Alegre por que merecem um voto de confiança, mas não aprofundaram as propostas.
É verdade que fica difícil detalhar propostas em curto espaço de tempo, ainda mais quando se tem um adversário armado para desconstruir sua imagem ou cobrar pelo que deixou de ser feito. Restou a impressão de que teremos poucas inovações no próximo governo, seja qual for o vencedor. De ideias vagas e de boas intenções o inferno está cheio.
Quem assistiu percebeu que no espaço do debate propriamente dito se formaram duplas óbvias: de um lado Maria do Rosário e Juliana, do outro Melo e Camozzato. Isso não é incomum nos confrontos políticos, mas costuma ocorrer com candidatos que, sabendo não ter chance de chegar ao segundo turno, aceitam servir de escada para um concorrente mais promissor.
Não é o caso de Juliana nem de Camozzato: os dois estão no páreo e, pelo perfil, só podem crescer se tirarem eleitores dos candidatos com quem formaram uma espécie de aliança de ocasião.
Melo, por ser prefeito na maior crise da história de Porto Alegre, a enchente de maio, foi menos cobrado do que poderia e pode comemorar a falta de objetividade de Juliana, que veio mais agressiva, mas se perdeu na formulação das questões.
Em vez de fazer uma cobrança direta sobre o escândalo de corrupção na Smed, soltou uma frase solta ao fim de uma das suas intervenções, dizendo que a prefeitura não tem dinheiro para coisas essenciais, mas “tem para Ferrari”. Quem não acompanha os detalhes da investigação ficou boiando: Ferrari é um dos carros apreendidos na Operação Capa Dura, mas o prefeito não está sendo investigado.
Maria do Rosário vinha bem, falando dos problemas reais da cidade e de seu plano de ação, sem gritar, quando uma pergunta de Camozzato a desconcertou. Apesar de a eleição não ser sobre a prefeitura de Caracas, Camozatto questionou a deputada sobre a situação da Venezuela, lembrando que o PT divulgou nota saudando a vitória de Nicolás Maduro, que está sendo contestada por suspeita de fraude.
O candidato do Novo tentou forçar Rosário a dizer sim ou não à pergunta se Maduro é ou não um ditador, mas ela se esquivou dizendo que sempre defendeu a democracia e que a Constituição prevê respeito à autodeterminação dos povos. A candidata insistiu que a eleição era para a prefeitura de Porto Alegre e não respondeu, mas ficou visivelmente perturbada.
Juliana exagerou na interpretação do conselho de Che Guevara: “Hay que endurecerse sin perder la ternura, jamás”. Tentou ser dura com Melo — agressiva em alguns momentos, — mas sempre falando baixo, algumas vezes quase sussurrando, o que passa a impressão de falta de firmeza. Atrapalhou-se na conjugação dos verbos, ora chamando o prefeito de tu, ora de você.
O fato de ler as perguntas revela que estudou a lição de casa, mas o excesso de apego ao script enfraqueceu suas cobranças. Mesmo quando o assunto foi educação (tema que era o preferido de seu avô), titubeou. Desperdiçou uma oportunidade ímpar de mostrar que pode, como quer a aliança em forno do seu nome, ser a terceira via na eleição de outubro.
Mais jovem entre os candidatos, Camozzato mostrou que é promissor, mas ainda precisa traduzir para a vida real as propostas do Novo para melhorar a vida na cidade. Deu uma resposta assertiva em relação à ampliação de vagas em creches, mas se anulou na parceria com Melo. Os dois protagonizaram uma espécie de bate-bola em torno de liberdade econômica, tema que os aproxima.
Faltou repertório para questionar os adversários com mais ênfase sobre os temas da cidade e ficará na memória do público como o sujeito que desconcertou a candidata do PT com uma pergunta sobre a Venezuela.
Gafe e preconceito
Felipe Camozzato cometeu mais do que uma gafe ao dizer que o problema do sistema de proteção às cheias em Porto Alegre é que "foi projetado por alemães, mas executado 'à brasileira'". Como se os engenheiros e operários brasileiros fossem incapazes de executar uma obra de qualidade.
Além de preconceituoso, o comentário revelou desinformação: o sistema de proteção às cheias foi bem projetado e bem executado, mas faltou manutenção e fiscalização para evitar construções irregulares. Ou alguém acha que os alemães colocaram no projeto a instalação de uma vila sobre o dique do Sarandi?
Extrema esquerda?
Das voltas que o mundo dá: oito anos depois de ter sido candidato a prefeito tendo Juliana Brizola (PDT) como vice, Sebastião Melo coloca na agora adversária o carimbo de "extrema esquerda".
Juliana está onde sempre esteve. Melo é que deu uma guinada para a direita ao se aproximar de Jair Bolsonaro e apoiar o candidato do PL, Onyx Lorenzoni, na eleição de 2022, sendo Gabriel Souza (MDB) o vice de Eduardo Leite (PSDB).
Telhado de vidro
Pelo menos nesse primeiro debate, Maria do Rosário evitou questionar o prefeito Sebastião Melo sobre as denúncias de corrupção no DMAE e na Secretaria Municipal de Educação.
Ao que tudo indica, foi o medo de Melo reagir falando em mensalão e petrolão, dois temas indigestos para a candidata do PT.
Aliás, Maria do Rosário mostrou-se bem mais comedida do que em outras campanhas — inclusive no tom de voz.