Passou da hora de o presidente Lula corrigir sua declaração de que as eleições na Venezuela ocorreram dentro da normalidade. Só se “normalidade” for sinônimo de “como Nicolás Maduro planejou”. Não há mais como mascarar a “democracia” de Maduro com o argumento de que a Venezuela realiza eleições. Só os miquinhos amestrados do governo bolivariano acreditam que Maduro foi mesmo vitorioso com 51,2% dos votos em uma eleição sem resultados parciais, sem ata das urnas, sem apuração instantânea.
Passados quatro dias das eleições, as tais atas não apareceram. Se tudo tivesse ocorrido dentro da normalidade, por que Maduro as esconderia? A oposição protesta, apresenta um resultado completamente diferente, mas sem esclarecer como obteve esses dados. Se Maduro seguisse o que faz o Tribunal Superior Eleitoral no Brasil, a apuração seria online, com a totalização dos votos diante de fiscais e a possibilidade de checar os boletins de urna com os dados que constam no sistema de totalização.
A oposição brasileira se faz de desentendida e tenta comparar a falta de transparência na Venezuela com o fato de o Brasil não ter voto impresso. Uns por má fé, outros por desinformação. Porque a Venezuela tem o sistema que a oposição brasileira advoga: voto eletrônico, com impressão de uma cópia para ser “auditada”.
Adianta? Não. Porque o governo autoritário da Venezuela sequer abriu suas fronteiras para observadores internacionais e não permite nem mesmo a checagem dos boletins de urna. Querer comparar os dois sistemas ou usar as declarações de Maduro, que questionou o sistema eleitoral brasileiro, é igualar-se ao ditador.
Voltando a Lula, o presidente e seus ministros deveriam sentar e ouvir outra vez o áudio no qual o presidente diz:
— Não tem nada de grave, não tem nada de assustador (...) Não tem nada de anormal. Teve uma eleição, teve uma pessoa que disse que teve 51%, teve uma pessoa que disse que teve 40 e poucos por cento. Um concorda, o outro não. Entra na Justiça e a Justiça faz.
Porque essa declaração precisa ser revisada à luz dos fatos.
Primeiro, porque é impossível que Lula não saiba que a Justiça na Venezuela está submetida a Maduro, como esteve submetida a Hugo Chávez, por mudanças estruturais como a que se pretendeu fazer no Brasil no governo passado, aumentando o número de ministros da Suprema Corte.
Segundo, porque a Comissão Nacional Eleitoral da Venezuela não tem independência.
Terceiro, mas não menos importante, porque nada é mais anormal do que um presidente se declarar vencedor sem apresentar as atas da eleição, lançar teorias conspiratórias risíveis, ameaçar os opositores de prisão, como se ele mesmo fosse o tribunal que julgam condena e executa a pena.
Lula pode até dizer que precisa manter relações diplomáticas com a Venezuela, por interesses comerciais e para “cuidar” dos interesses dos países vizinhos cujos diplomatas foram expulsos, caso da Argentina. Mas não pode tapar o sol com a peneira e continuar fingindo que esta foi uma eleição normal, até porque há mortos, feridos e presos em razão dos protestos.