Só quem não conhece as entranhas do PSDB dos últimos anos pode imaginar, quando se fala em "ninho tucano", uma caminha de palhas com bichinhos de bico grande, mas inofensivos. Quem conhece imagina um ninho de cobras, sem espaço para a inocência.
Faz tempo que o PSDB virou um partido de disputas ferozes e nem sempre leais. A decisão judicial que manda o governador Eduardo Leite realizar a eleição da nova executiva em 30 dias é só mais um ato da série que começou antes mesmo da prévia vencida por João Doria, que acabou não concorrendo a presidente da República em 2022 porque se revelou inviável como candidato.
À época da prévia, Doria já havia tomado conta do partido e escanteado líderes históricos, como Alberto Goldmann e Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República pelo PSB. Doria e Leite fingiram uma reconciliação, mas nos bastidores até os tucanos que ensaiam o primeiro voo sabem que os santos dos dois não se cruzam. A disputa continua.
Leite vai recorrer da decisão judicial, para ficar no cargo até novembro, quando deve ser escolhida a nova direção nacional. A eleição para a executiva não é uma assembleia de filiados: são os delegados de cada Estado que escolhem o presidente. As eleições nos diretórios municipais já começaram.
A decisão da juíza Thaís Araújo Correia, da 13ª Vara Cível de Brasília, manda dissolver a comissão executiva provisória formada em fevereiro e dá prazo de 30 dias para Leite convocar uma convenção nacional e realizar a eleição. Os outros dois governadores do partido, Raquel Lyra, de Pernambuco, e Eduardo Riedel, do Mato Grosso do Sul, são vice-presidentes no colegiado e também terão de deixar seus postos.
O autor da ação, o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando, é considerado entre os tucanos fiéis a Leite "um laranja de Doria". Na ação, ele sustenta que Leite deveria ter deixado o cargo em 31 de maio.
Ao defender-se na Justiça, o comando do PSDB argumentou que a decisão que prorrogou o atual mandato da direção executiva se deu por unanimidade e que o próprio Orlando Morando concordou com a votação, já que integra a executiva e foi beneficiado com a prorrogação.
Segunda divisão
Quando um partido chega ao ponto de brigar na Justiça pelo presidente é porque está bem próximo do fundo do poço ou de cair para a segunda divisão. Depois de governar o país por duas vezes, com Fernando Henrique Cardoso, eleito no primeiro turno, o PSDB chegou ao segundo turno em 2002, 2006, 2010e 2014. Em 2018 e 2022, ficou fora do segundo turno e encolheu na Câmara e no Senado, correndo o risco de ter de trocar a ave-símbolo de um vistoso tucano para um garnizé.
Leite sabia que enfrentaria resistências entre os aliados de Doria. Volta e meia brotam críticas do grupo nos jornais, portais de notícias e redes sociais.
O governador, que foi aconselhado por amigos a não entrar nessa canoa furada, aceitou a presidência como uma missão para unir o PSDB e, assim retomar a capacidade de disputar o Planalto com chances de, pelo menos, chegar ao segundo turno. O governador ignorou os alertas de que gastaria com as picuinhas do partido um tempo precioso que deveria gastar no projeto de fazer um governo de referência no Rio Grande do Sul.
À época, justificou que precisava fazer um sacrifício para "salvar o PSDB". Por trás dessa decisão está também o desejo de concorrer à Presidência da República. No comando do partido, tem espaço para usar os fins de semana em visitas a diferentes Estados, o que será útil em uma eventual candidatura.