O fato de o senador Marcos do Val (Podemos-ES) ter mudado sua versão sobre a manobra golpista na qual teria sido envolvido no começo de dezembro do ano passado não livra o ex-presidente Jair Bolsonaro de dar explicações à Polícia Federal em algum momento. Do Val compromete o ex-presidente tanto na primeira versão, quando diz que foi coagido por Bolsonaro, quanto na segunda, quando atribui a articulação a Daniel Silveira. Nesse roteiro reescrito, Bolsonaro teria ouvido todo o plano e ficado em silêncio, sem dizer, em momento algum, que a proposta era ilegal, indecente e inaceitável.
Na entrevista à revista Veja, Do Val contou que, ao receber o convite para o encontro com Bolsonaro, foi instruído a não usar o carro oficial. Teria de entrar incógnito e, por isso, deveria ir até um estacionamento encontrar Silveira, de onde os dois seriam levados por um veículo da Presidência ao Palácio da Alvorada, sem precisar se identificar na portaria. Ora, se fosse um encontro lícito, por que entrar sem identificação, usando um carro da Presidência?
O encontro teria durado cerca de 40 minutos. Alguém consegue imaginar que nesse tempo todo só Silveira tenha falado? E que Silveira tenha exposto um plano mirabolante de gravar o ministro Alexandre de Moraes, numa conversa dirigida para que ele admitisse ter ultrapassado as quatro linhas da Constituição, sem que Bolsonaro dissesse um "ai"? Lembremos que na primeira versão Do Val disse em uma transmissão ao vivo:
— Eu ficava p... quando me chamavam de bolsonarista. ‘Ah, o senador bolsonarista e tal’. Vocês esperem. Eu vou soltar uma bomba aqui para vocês: sexta-feira, vai sair na Veja, a tentativa do Bolsonaro, que me coagiu para que eu pudesse dar um golpe de Estado junto com ele. Só para vocês terem ideia. E é lógico que eu denunciei.
À Veja, Do Val contou uma versão diferente da que vendeu depois de conversar com aliados de Bolsonaro e com os filhos Flávio e Eduardo. Disse que o então presidente lhe garantiu que já havia acertado o suporte técnico à operação com o gabinete de Segurança Institucional, à época comandado pelo general Augusto Heleno. Bolsonaro teria dito também que a armadilha para desqualificar Alexande de Moraes iria “salvar o Brasil”.
Essa conversa mirabolante guarda relação com a minuta de decreto golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que previa a decretação de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral. Em recente entrevista ao jornal O Globo, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, disse que havia minutas do gênero na casa de todo mundo e que ele mesmo recebeu incontáveis sugestões de advogados de como impedir a posse de Lula, mas nada foi adiante porque não encontrava respaldo legal.
A esses elementos somem-se as declarações enigmáticas de Bolsonaro a seus seguidores, o estímulo à permanência na frente dos quartéis e uma fala do general Braga Netto no dia 19 de novembro:
—Vocês não percam a fé, é só o que eu posso falar para vocês agora .
Por fim, acrescente-se a declarações de Bolsonaro na derradeira live antes de embarcar para os Estados Unidos, quando tentou explicar por que não usou a caneta Bic para tomar uma atitude:
— Até hoje eu fiz a minha parte dentro das quatro linhas. Agora, certas medidas têm que ter o apoio do parlamento, de alguns do Supremo, de ouros órgãos, de outras instituições.