Quando o senador Marcos do Val (Podemos-ES) anunciou que estava renunciando ao mandato e disse que tinha sido convidado para participar de um golpe de Estado com o presidente Jair Bolsonaro, a primeira pergunta que ficou no ar foi: “Quem é Marcos do Val na fila do pão para dar um golpe de Estado?”. A reportagem da revista Veja, que ele chamou de bomba, desvenda o mistério e compromete Bolsonaro, de quem sempre o senador foi aliado, embora diga agora que ficava muito incomodado de ser chamado de bolsonarista.
A trama detalhada por do Val à Veja é o que se poderia chamar de “chinelagem”, sem medo de errar. Ele diz que antes da diplomação do presidente Lula foi procurado pelo então deputado Daniel Silveira (preso na manhã desta quinta) com uma proposta para conversar com urgência com Bolsonaro, no Palácio da Alvorada. À moda dos espiões de comédia, Silveira conversava com do Val por códigos que qualquer criança de 10 anos decifraria. E mandava mensagens comprometedoras, sem medo de uma quebra de sigilo.
A trama para “salvar o Brasil” consistia em do Val marcar audiência com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, e conduzir a conversa de forma a fazê-lo dizer que tomou alguma medida inconstitucional. Do Val estaria gravando a conversa com um equipamento acoplado à roupa. Se Moraes confessasse algum delito, seria preso, Lula não tomaria posse e estava consumado o golpe.
Do Val diz que considerou a proposta esdrúxula e pediu tempo para pensar, mas tratou de denunciar a trama a Moraes. O ministro teria ouvido a história e dado de ombros com um simples “não acredito”.
A Veja teve acesso às mensagens trocadas entre do Val e Daniel Silveira e gravou a conversa com o senador, mas, numa entrevista coletiva confusa, nesta quinta-feira (2), ele mudou a versão. Disse que Bolsonaro nunca lhe propôs nada e que ficou apenas ouvindo quando Silveira explicava os detalhes da tramoia. O encontro com Bolsonaro, que na entrevista à Veja ele disse ter ocorrido no Alvorada, agora mudou para a Granja do Torto.
Do Val também desistiu temporariamente da renúncia. Justificou que não permitiria à suplente assumir (poder que ele não tem, caso renuncie) e que recebeu apelos de senadores e deputados para continuar no mandato. Entre os telefonemas que recebeu, citou os senadores Rogério Marinho e Flávio Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro.
Diante da confusão, Alexandre de Moraes autorizou a Polícia Federal a tomar o depoimento de do Val. Agora ele terá de dizer qual das suas versões é verdadeira e por que mudou o enredo no meio do caminho.