Porto Alegre abriu as portas para receber um evento global depois de dois anos de pandemia e de muito tempo de escassez de sotaques estrangeiros. A última vez que a cidade recebeu visitantes de outros países em grande escala foi na Copa de 2014. Eram torcedores, sobretudo argentinos e australianos, colorindo as ruas da Capital. Antes, foi o Fórum Social Mundial que lotou hotéis, movimentou bares e restaurantes e trouxe vozes de todos os continentes para discutir o futuro do planeta sob a ótica da esquerda, razão pela qual muita gente torceu o nariz, mas acabou sendo obrigado a reconhecer que foi bom para a cidade.
A única coisa do South Summit que lembra o Fórum Social Mundial ou a Copa de 2014 é a saudável ebulição que transforma a pacata capital do Rio Grande do Sul por um curto período, mas a coloca no mapa do mundo. O que se terá no Cais Mauá nestes três dias é diferente de tudo o que Porto Alegre já viveu nos seus 250 anos de história e tende a render frutos pelos próximos anos.
Os carcomidos armazéns do Cais Mauá ganharam retoques para receber brasileiros e estrangeiros que falarão de inovação, de economia verde, de conexões globais, de arte, de cultura, de desenvolvimento social. Empresas recém nascidas encontrarão investidores dispostos a colocar seu dinheiro (ou o dinheiro de seus clientes) no desenvolvimento de produtos e serviços que movimentam a economia. Palestrantes dos mais disputados estarão diante dos felizardos que conseguiram se inscrever compartilhando conhecimento, experiências, dicas de sobrevivência na selva do mundo digital. Porto Alegre só tem a agradecer por ter sido escolhida sede deste evento que uniu prefeitura, governo do Estado e setor privado no mesmo diapasão.
Os visitantes — e os locais — terão nestes três dias a oportunidade de conhecer e comparar o tratamento dado a diferentes pontos da orla do Guaíba. De um lado a orla revitalizada, aprazível, moderna. Do outro, armazéns desbotados, caindo aos pedaços, cedidos para uma ocupação temporária, enquanto aguardam pela revitalização. Entre um e outro, o Cais Embarcadero (os espanhóis talvez não compreendam a redundância do nome), com instalações provisórias que deram vida ao trecho entre a Usina do Gasômetro e aos armazéns. Ali a vida pulsa desde 2021, numa espécie de degustação do que poderá ser todo o Cais Mauá quando — e se — for revitalizado.
O projeto que está para ser licitado já enfrenta resistências de setores que há anos resistem a qualquer projeto mais ousado. Esse, prevê a construção de prédios lá na altura da Estação Rodoviária e foi o que bastou para mobilizar os opositores de sempre, com argumentos como o de que se trata de “empreendimentos para a elite” ou que só interessam as empreiteiras. Curiosamente, parte dessas vozes são as mesmas que não queriam o projeto de Jaime Lerner na revitalização do trecho 1 da orla.
Como Estado e prefeitura não têm recursos para reformar e manter um complexo como o Cais Mauá, é natural que na modelagem feita pelo BNDES tenham sido incluídos os edifícios, com a venda de terrenos, para financiar a revitalização dos prédios tombados. Enquanto a polêmica se arrasta, os armazéns se deterioram e a população não tem acesso a essa área: o passeio termina no Embarcadero.