Sem a obstinação do governador de São Paulo, João Doria, o Brasil não estaria celebrando nesta segunda-feira (18) a entrada no clube dos países que já começaram a imunizar suas populações. A pandemia estava recém no início, com o então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta fazendo previsões catastróficas em rede nacional, quando Doria acionou os pesquisadores do Instituto Butantan e saiu em busca de parceria para produzir a vacina contra o coronavírus.
A parceria com o laboratório chinês Sinovac nasceu cercada de desconfianças, lançadas por integrantes do governo federal, os mesmos que faziam provocações à China nas redes sociais e chamavam o coronavírus de "vírus chinês", por ter sido identificado pela primeira vez em Wuhan, um ano atrás. Passo a passo, a pesquisa foi avançando, até chegar aos testes, feitos exclusivamente com profissionais da saúde. Até então, todo o dinheiro investido tinha sido do Butantan.
Foi Doria também que, alinhado com o presidente do instituto, Dimas Covas, encaminhou a importação das primeiras 6 milhões de doses da vacina pronta da China e dos insumos para a fabricação no Brasil. A autorização para importação foi dada pela Anvisa em outubro.
A aposta do Palácio do Planalto era apenas na vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com o laboratório AstraZeneca, que será fabricada no Rio de Janeiro pela Fiocruz.
Em 21 de outubro, depois de o ministro Eduardo Pazuello anunciar em uma reunião com governadores que o Ministério da Saúde compraria as vacinas da Fiocruz e do Butantan, o presidente Jair Bolsonaro o desautorizou e mandou suspender o protocolo de intenções para compra de 46 milhões de doses da CoronaVac.
"Não compraremos a vacina da China", escreveu o presidente em uma rede social na manhã de 22 de outubro. À tarde, durante visita a um centro militar da Marinha, em Iperó (SP), afirmou: "O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade".
Pazuello recuou e produziu uma frase que entrará a para a história de sua passagem pelo Ministério da Saúde. "Senhores, é simples assim: um manda e o outro obedece. Mas a gente tem um carinho, entendeu? Dá para desenrolar, dá para desenrolar", disse em um vídeo ao lado de Bolsonaro.
Antes da aprovação pela Anvisa — e com os principais países já vacinando suas populações —, o governo brasileiro anunciou, agora formalmente, a compra de 100 milhões de doses do Butantan, para distribuição em todo o país. No domingo, a Anvisa aprovou o uso emergencial das duas vacinas, apesar dos questionamentos dos aliados mais radicais do presidente Bolsonaro sobre a eficácia da CoronaVac.
Infelizmente para o Brasil — e não apenas para o governo de Jair Bolsonaro — o lote de 2 milhões de doses importados da Índia ainda não saiu de Mumbai e o país começa a vacinação contando apenas com as 6 milhões importadas da China. Pouco para uma população do tamanho da brasileira, mas é o primeiro passo de uma longa jornada.
O que importa é que a vacinação começou — e não quem aplicou a primeira dose. O que não se pode é condenar o governador de São Paulo por ter assumido o protagonismo na vacinação, depois de tudo o que o governo federal fez para desqualificar o acordo com os chineses, ignorando a excelência do trabalho desenvolvido pelo Butantan, que se equivale ao da Fiocruz.
Brigas políticas à parte, as vacinas estão chegando aos Estados e, quando a produção nacional decolar, o Brasil poderá pular para os primeiros lugares do ranking de imunização, porque não ficará dependente da importação.
Como disse a enfermeira Mônica Calazans, primeira pessoa vacinada em território brasileiro, é preciso deixar de lado as coisas ruins e focar na parte boa. A segunda-feira é de celebração da vida.