A pandemia que o obrigou a tomar posse em uma sessão virtual acabou marcando o início e o fim do discurso do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso. No pronunciamento de 31 minutos, Barroso fez uma defesa vigorosa das instituições, da democracia, da educação e do Sistema Único de Saúde (SUS) e terminou com uma reflexão:
— Tem se falado que, depois da crise, haverá um novo normal. E se não voltássemos ao normal? E se fizéssemos diferente?
As principais autoridades da República, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro, acompanharam a posse pela tela de seus computadores. No plenário, usando máscaras e respeitando a distância recomendada pelas autoridades sanitárias, apenas Barroso, Rosa Weber e o vice-presidente do TSE, ministro Luiz Edson Fachin.
— Numa democracia, política é gênero de primeira necessidade — começou Barroso, para dizer que a valorização, o prestígio e o aprimoramento da vida política estão no topo da sua agenda.
O ministro destacou os três objetivos que irão mobilizar sua gestão: uma grande campanha pelo voto consciente, a atração de jovens para a política e o empoderamento feminino.
Na campanha pelo voto consciente, Barroso recomendou que os eleitores se informem com antecedência acerca dos candidatos, verifiquem o que cada um já fez, o que promete e qual credibilidade merece:
— Votar consciente é guardar o nome do seu representante, acompanhar o seu desempenho e só renovar o seu mandato se ele continuar merecedor de confiança. Numa democracia verdadeira, não existe nós e eles. Eles são aqueles que nós colocamos lá.
O ministro lamentou o desinteresse dos jovens pela política e fez um apelo:
— Precisamos de jovens que ajudem a escrever e a reescrever a nossa história, movidos pelo sentimento mais elevado que pode ter o ser humano: servir ao próximo e à causa da humanidade.
No trecho dedicado ao empoderamento feminino, o ministro registrou que dois dos países que melhor se saíram no enfrentamento da pandemia foram a Nova Zelândia, liderada por Jacinda Arden, e a Alemanha, por Angela Merkel. Lembrou, também, que se beneficiaram da firme liderança feminina a Dinamarca, a Finlândia e Taiwan.
Com elegância e sem citar o ministro Abraham Weintraub, Barroso respondeu aos ataques perpetrados contra o Supremo Tribunal Federal de forma sutil, saudando “três professors exatraordinários” que iluminaram o seu caminho, entre eles o pai, Roberto Bernardes Barroso:
— Faço isso não apenas por motivação afetiva, mas para lembrar a importância da educação e como ela muda e eleva a vida das pessoas. É a deficiência na educação, sobretudo na educação básica, que nos atrasou na história. A falta de educação produz vidas menos iluminadas, trabalhadores menos produtivos e um número limitado de pessoas capazes de pensar criativamente um país melhor e maior. A educação, mais que tudo, não pode ser capturada pela mediocridade, pela grosseria e por visões pré-iluministas do mundo. Precisamos armar o povo com educação, cultura e ciência.
Barroso expressou solidariedade às pessoas que estão sofrendo pela perda de entes queridos, pela perda do emprego, da renda ou pelas dificuldades de suas empresas e aos profissionais de saúde “que com abnegação e coragem salvam vidas em meio a essa crise humanitária”. Elogiou sua antecessora, Rosa Weber, a quem chamou de “rainha” e destacou “as virtudes que se somam à sua personalidade adorável”: integridade, competência, dedicação, firmeza e responsabilidade. Lembrou que Rosa conduziu, de forma impecável, “ainda que sob ataques injustos, as polarizadas eleições de 2018”.
Boa parte do pronunciamento foi dedicado à preocupação da Justiça Eleitoral com as fake news, que Barroso chamou de “campanhas de desinformação, difamação e de ódio”. Disse que a internet permitiu a conexão de bilhões de pessoas pelo mundo afora em tempo real, dando lugar a fontes de informação independentes e aumentando o pluralismo de ideias em circulação, mas, na medida em que as redes sociais adquiriram protagonismo no processo eleitoral, passaram a sofrer a atuação pervertida de milícias digitais, que disseminam o ódio e a radicalização.
— São terroristas virtuais que utilizam como tática a violência moral, em lugar de participarem do debate de ideias de maneira limpa e construtiva.
Para combater as fake news, pediu ajuda à imprensa profissional, às mídias sociais e à própria sociedade, bem como às plataformas digitais (Google, Facebook, Instagram, Twitter e Whatsapp) para, valendo-se da tecnologia e de suas políticas de uso, neutralizar a atuação de robôs:
— Mais que nunca, nós precisaremos de imprensa profissional, que se move pelos princípios éticos do jornalismo responsável, capaz de separar fato de opinião, e de filtrar a enorme quantidade de resíduos que circula pelas redes sociais.
O ministro defendeu uma reforma do sistema eleitoral capaz de baratear o custo das eleições, aumentar a representatividade parlamentar e facilitar a governabilidade. Em relação à eleição deste ano, disse que nas conversas com os líderes do Congresso constatou que todos estão alinhados em torno de algumas premissas básicas: as eleições somente devem ser adiadas se não for possível realizá-las sem risco para a saúde pública; em caso de adiamento, ele deverá ser pelo prazo mínimo inevitável; prorrogação de mandatos, mesmo que por prazo exíguo, deve ser evitada até o limite; o cancelamento das eleições municipais, para fazê-las coincidir com as eleições nacionais em 2022, não é uma hipótese sequer cogitada.
No trecho dedicado à democracia, lembrou que a Constituição de 1988 foi um marco da transição de um regime de força, muitas vezes violento, para o estado democrático de direito:
— Temos três décadas de estabilidade institucional, que resistiu a chuvas, vendavais e tempestades. Não há volta nesse caminho. Nós já percorremos e derrotamos os ciclos do atraso.
Em referência indireta às críticas ao STF, pontuou:
— Como qualquer instituição em uma democracia, o Supremo está sujeito à crítica pública e deve estar aberto ao sentimento da sociedade. Cabe lembrar, porém, que o ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las, já nos trouxe duas longas ditaduras na República. São feridas profundas na nossa história, que ninguém há de querer reabrir.
No encerramento, citou os três pontos que, a seu ver, devem permear qualquer agenda nacional pós-crise: integridade , com elevação da ética pública e e privada, combate à extrema pobreza, com um grande projeto de redistribuição de renda, habitação popular, urbanização, saneamento básico e arborização, e competência, para que o Brasil deixe de ser o país do nepotismo, do compadrio e das ações entre amigos com dinheiro público:
— Precisamos derrotar as opções preferenciais pelos medíocres, pelos espertos e pelos aduladores. É hora de dar espaço aos bons.