![Marcos Corrêa / Presidência da República/Divulgação Marcos Corrêa / Presidência da República/Divulgação](http://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/25665924.jpg?w=700)
A linguagem chula do presidente Jair Bolsonaro e de seus ministros, incluindo o letrado Paulo Guedes, na reunião do dia 22 de abril, é o que menos deveria preocupar os brasileiros. Mesmo quem do vídeo só assistiu aos trechos amplamente destacados na televisão pode ter uma ideia da gravidade do que se falou nesse encontro da cúpula do governo em plena pandemia e do que se deixou de falar, porque a falta de um norte ficou evidente.
O ideal é assistir ao vídeo prestando atenção nas expressões do presidente, do vice Hamilton Mourão e dos ministros civis e militares, mas a leitura atenta da transcrição dos diálogos permite a compreensão de que os palavrões são o menor dos problemas.
Para começo de conversa, a reunião convocada a pretexto de tratar do Pró-Brasil, o plano de estímulo à economia pós-coronavírus, apenas tangenciou no que deveria ser foco e nisso mostrou o governo dividido. De saúde, do avanço da pandemia, praticamente só se falou para condenar governadores e prefeitos que adotaram medidas restritivas para evitar a disseminação.
A fala do ministro Rogério Marinho, lembrando que tempos anormais exigem um olhar diferente dos governos, esbarrou na indiferença. De Paulo Guedes, que resiste à ideia de ampliar os investimentos públicos, saíram três ideias concretas e reveladoras de seu propósito: liberar os cassinos (na reunião chamados de resorts pelo ministro do Turismo), privatizar a jato (“tem de vender essa porra logo”) porque “não é tatu nem cobra” (é meio público, meio privado) e socorrer as grandes empresas, em vez de se preocupar com os pequenos.
— Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos para salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas — disse Guedes.
Do vírus falou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para dizer que o governo deveria aproveitar este momento de “tranquilidade” em que a imprensa está ocupada com a covid-19 para mudar a legislação ambiental por decretos e portarias que não dependem do Congresso. “Passar a boiada” foi a expressão de Salles, num dos trechos de maior repercussão no Exterior, porque significa desmontar a legislação ambiental a título de desburocratizar.
A ideia de Bolsonaro de armar a população para evitar uma ditadura vai além da teoria conspiratória amalucada, de que uma entidade ou um grupo de comunistas esteja planejando tomar o poder pela força. Nesse caso, “patriotas” armados e organizados em um exército paralelo, outro nome para as milícias, reagiriam à bala. Como os únicos grupos que defendem uma ditadura são os aliados do presidente, a interpretação mais lógica é outra: trata-se de uma perigosa incitação à guerra civil em caso de eventual processo de impeachment, que segue as regras da Constituição.
Pela menção à 2022 e o risco de ser preso e de “uma porrada de vocês aqui” (os ministros) terem de sair do país para escapar da cadeia, fica no ar uma ideia ainda mais perturbadora. Estará o presidente sugerindo que, em caso de vitória da oposição na eleição prevista para daqui a mais de dois anos, os insatisfeitos peguem em armas para garantir sua permanência no poder? E por que o medo da prisão? Paranoia ou inspiração no discurso chavista, que se perpetua no poder na Venezuela depois de ter aniquilado a imprensa, dominado o Judiciário e exterminado a oposição?
Perereca e cocô de índio
Ficou escancarado no vídeo da reunião de 22 de abril mais um ponto em comum entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula, além da ausência de limites na luta pelo poder: o desprezo às regras de proteção ao patrimônio histórico e ambiental, que atrasam investimentos.
Na Presidência, Lula reclamava que a descoberta de "uma machadinha indígena" que atrasava obras como a construção de uma estrada ou de uma barragem.
— Após uma explosão para tirar umas pedras, pegaram uma pedra do chão e falaram: "nossa parece uma machadinha indígena". Daí foram seis meses. Para a obra até analisar se era machadinha — disse Lula, para quem é preciso ajustar a lei para evitar essas situações.
Bolsonaro reclamou que por “um cocô petrificado de índio” o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) teria embargado a construção de uma loja da Havan. Os torcedores de um e outro não suportam comparações entre os dois, mas elas são inevitáveis. Em relação ao coronavírus, a síntese pode ser o “e daí?” de Bolsonaro e o “ainda bem” de Lula.
Da perplexidade à demissão
O vídeo da reunião ministerial dá uma pista do momento exato em que o então ministro da Saúde, Nelson Teich, se deu conta de que tinha entrado numa roubada e não resistiria por muito tempo no cargo.
Sentado entre os ministros da Educação, Abraham Weintraub, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, Teich não consegue esconder a perplexidade com os impropérios ditos pelos colegas.
Se tivesse prestado atenção na expressão de pânico de Teich, seu substituto, Eduardo Pazuello, não teria feito o convite para ser conselheiro do Ministério da Saúde. Teich recusou e, com elegância, explicou em seu perfil no Twitter: “Agradeço ao ministro interino Eduardo Pazuello pelo convite para ser Conselheiro do Ministério da Saúde, mas não seria coerente ter deixado o cargo de ministro da Saúde na semana passada e aceitar a posição de conselheiro na semana seguinte”.