Durou menos de um mês a permanência de Nelson Teich no Ministério da Saúde. Na véspera de completar 30 dias no cargo, Teich entregou na manhã desta sexta-feira (15) sua carta de demissão ao presidente Jair Bolsonaro em breve audiência no Palácio do Planalto. Com mais de 13 mil mortes de covid-19, o país terá seu terceiro ministro em pleno enfrentamento da maior crise sanitária das últimas décadas. O atual secretário-executivo da pasta, general Eduardo Pazuello, é cotado para assumir o cargo com o apoio da ala militar do governo.
Médico com uma carreira exitosa na iniciativa privada, na qual ergueu um renomado complexo hospitalar especializado em tratamento de câncer, a Clínicas Oncológicas Integradas (COI), Teich não conseguiu trabalhar no setor público. Todavia, a despeito do estranhamento com minúcias da burocracia estatal, sua demissão se deve às divergências com Bolsonaro.
Embora tenha sido nomeado com a missão clara de afrouxar as regras de isolamento, o agora ex-ministro foi logo atropelado pelo aumento no contágio por coronavírus. Diante do colapso do sistema de saúde em algumas capitais da região Norte, como Manaus (AM) e Belém (PA), Teich, chegou até mesmo cogitar a adoção de lockdown onde a pandemia saísse do controle. A citação ao fechamento total de cidades inteiras irritou o Planalto.
O ponto culminante para a ruptura entre Teich e Bolsonaro, contudo, foi a obsessão presidencial com a cloroquina. Nesta semana, Bolsonaro voltou a defender a edição de um protocolo do ministério que preveja o uso do medicamento desde o início do tratamento. Dias antes, Teich havia alertado em rede social sobre os cuidados necessários à prescrição da cloroquina, cujos efeitos colaterais sobretudo a taquicardia, podem ser fatais aos pacientes.
Outro fator que colaborou para o pedido de demissão foi a completa alienação do ministro no processo de tomada de decisão do governo sobre medidas referentes à pandemia. Na segunda-feira (11), sem qualquer consulta prévia a Teich, Bolsonaro incluiu as academias de ginástica, salões de beleza e barbearias entre as atividades essenciais que poderão permanecer abertos durante a quarentena. Teich concedia uma entrevista coletiva no meio da tarde quando foi surpreendido com a publicação do decreto.
— Foi uma decisão do presidente, ele que decidiu isso aí... O que é? Academia, salão e barbearia? É, é o presidente quem define — comentou, constrangido.
Embora a demissão tenha causado espanto entre autoridades estaduais envolvidas no enfrentamento à covid-19, estava claro para os secretários que Teich não tinha comando sobre as ações do ministério. Desde a queda de Luiz Henrique Mandetta, a pasta foi aparelhada por militares, com a exoneração de toda a equipe técnica montada anteriormente.
Nas reuniões com os gestores locais, Teich não apresentava soluções, demonstrava desconhecimento sobre a operação do SUS e dava a impressão de estar sendo tutelado por emissários do presidente, dada a onipresença de assessores nomeados diretamente por Bolsonaro. Além de Pazuello, número 2 da pasta, há outros 12 militares em postos-chave e mais 10 na fila de nomeação.
Teich nem sequer teve tempo de apresentar um plano nacional ao governo e à sociedade. Sua ideia inicial ao assumir o cargo era planejar um modelo de gradual flexibilização do isolamento, com medidas regionalizadas conforme o comportamento da pandemia em cada local. Um esboço chegou a ser mostrado a Bolsonaro, mas foi imediatamente refutado. Cada vez mais influenciado por empresários e familiares, o presidente está disposto a retomar ao máximo a atividade econômica e questionar com maior ênfase as decisões restritivas dos governadores.
Teich se aproximou de Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 e atuou como consultor para saúde do então candidato. Passada a vitória nas urnas, chegou a se reunir com Bolsonaro no quartel-general da transição, levado por Paulo Guedes.
A visita motivou especulações de que Teich poderia ser anunciado ministro, mas o presidente acabou aceitando a indicação do recém-eleito governador de Goiás, Ronaldo Caiado, padrinho da nomeação de Mandetta. Teich viraria ministro somente 15 meses após a posse de Bolsonaro, mas por força das visões divergentes, teve sua passagem abreviada justamente quando o Brasil se aproxima da marca de mil mortes ao dia.