Com abril veio a certeza daquilo que se desconfiava desde fevereiro: nada será como antes depois desse coronavírus que semeia medo e destrói esperança. Com bilhões de seres humanos trancafiados, enquanto profissionais da saúde se desdobram para tentar salvar vidas e cientistas tentam encontrar a cura e a vacina, são inevitáveis as reflexões sobre como será o amanhã. Tenho lido e ouvido que sairemos melhores e menos egoístas. Gostaria muito de ter essa certeza.
Hoje, na quarentena, aflora o melhor e o pior do ser humano. A solidariedade se multiplica em pequenos gestos e grandes ações colaborativas, mas a mesquinhez se materializa na omissão de quem, por exemplo, se nega a pagar a diarista que só recebe depois de cada dia de trabalho.
A quarentena serve para reavaliar o que acumulamos sem questionar a necessidade. Será que precisamos de tantos sapatos? Por que guardamos roupas que não são usadas há tantos e anos e talvez nem sirvam mais? Como podemos ajudar as ONGs que atuam nos labirintos da cidade, onde o frio e a fome fazem parte da rotina?
Está chegando o inverno e com ele a necessidade de socorrer quem não tem roupa e calçado para enfrentar os próximos seis meses de temperaturas baixas. Que tal aproveitar a quarentena para fazer o inventário das coisas que podem ter um destino melhor do que o armário empoeirado porque a pessoa que antes limpava também está em isolamento social?
Neste domingo, o presidente da República e um grupo numeroso de pastores está convocando os brasileiros para um jejum contra o coronavírus. Com todo respeito à fé alheia, mas o jejum só faria sentido se fosse para doar os alimentos não consumidos para famílias que estão passando fome. Será que esses pastores e políticos que convocam o povo para o jejum vão mesmo se abster das três refeições ou comerão à farta, escondidos do seus fiéis?
Embora se diga que estamos em guerra, não haveria um Dia da Vitória em que sairemos às ruas abanando lenços, distribuindo beijos e abraços. A volta à vida normal haverá de se dar aos poucos e talvez passemos o resto dos nossos dias desconfiados de que no corpo do vizinho de poltrona no ônibus ou no avião viaja uma versão modificada do vírus.
É certo que sairemos mais pobres e mais calejados dessa pandemia. O mundo está aprendendo que não pode continuar dependendo da China para respirar ou proteger seus médicos e enfermeiras com máscaras do tipo N95. A indústria de cada país terá de se reinventar, mas nós, pessoas físicas, teremos de repensar nossas vidas e valorizar o que de fato importa, como o respeito à natureza e a convivência com a família. Hoje, a prioridade é seguir vivo. Por isso, se puder, fique em casa. O resto se recupera depois.