É cedo para comemorar, mas o número de mortes e de casos confirmados de covid-19 no Rio Grande do Sul sugerem que as medidas restritivas adotadas pelo governo do Estado e pelos prefeitos está dando resultado. Os principais hospitais operam com relativa folga e o temido cenário de caos não se consumou. Mais um motivo para não afrouxar a vigilância, como querem prefeitos mais afoitos, que ameaçam desobedecer ao decreto do governador Eduardo Leite e reabrir o comércio na próxima semana.
O Estado fechou a semana com 410 casos confirmados e seis mortes, mas o próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, alertou na entrevista desta sexta-feira (3) que o pior ainda está por vir. No Brasil, os números deram um salto em 24 horas: foram 60 mortes e 1.146 casos a mais, totalizando 359 vidas perdidas e 9.059 testes com resultado positivo. As próximas duas ou três semanas serão cruciais.
Em rota de colisão com o presidente Jair Bolsonaro, que defende o afrouxamento das restrições, com a justificativa de evitar o caos na economia, Mandetta recomendou aos brasileiros que sigam a orientação dos governadores. Em todos os Estados, a recomendação é a mesma: manter o distanciamento social pelo menos até 15 de abril.
Em Porto Alegre, os dois principais complexos hospitalares que atendem pacientes do SUS, o Grupo Hospitalar Conceição (GHC) e o Clínicas, ainda não enfrentam problemas de leitos nem de vagas de terapia intensiva.
Também essa boa notícia precisa ser lida sem euforia. Mandetta lembrou que o coronavírus começou pelas classes A e B, com histórico de viagens ao Exterior, e ainda não chegou aos bairros mais pobres do país. O Hospital Moinhos de Vento, que só atende particulares e convênios, tem mais pacientes internados com a covid-19 do que Clínicas e o GHC.
O isolamento está garantindo um tempo precioso para que a rede pública prepare a infraestrutura para atender ao aumento da demanda. O superintendente do GHC, André Cecchini, divulgou na sexta-feira um vídeo de agradecimento aos servidores do grupo que estão na linha de frente e informou que a procura por atendimento foi inferior ao que se imaginava. O fornecimento de equipamentos de proteção individual está regularizado e os resultados dos testes represados nos últimos dias devem sair no fim de semana.
Apesar de a situação estar sob controle, Cecchini tem um problema sério a lhe tirar o sono: todos os sindicatos estão ajuizando ações para afastamento imediato de funcionários com mais de 60 anos ou doenças preexistentes. São cerca de 1.500 pessoas nessas condições, o que pode inviabilizar o atendimento. A direção do grupo solicitou mediação do Tribunal Regional do Trabalho para tentar um acordo.
O problema do GHC é resultado de uma anomalia legal: os funcionários, embora regidos pela CLT, têm estabilidade e não podem ser demitidos nem ao completar 75 anos, como ocorre com os servidores públicos na administração direta. Como os salários são acima da média do mercado, não se aposentam porque ganhariam no máximo o teto do INSS.
O resultado é uma proporção de idosos superior aos demais hospitais, o que pode provocar o colapso dos serviços no momento crítico de uma doença em que a mortalidade é maior na faixa acima dos 60 anos.