Do ato religioso organizado para celebrar o aniversário da ex-primeira-dama Marisa Letícia ao discurso de 55 minutos que o ex-presidente Lula fez antes de se entregar à Polícia Federal, o que se viu em São Bernardo na manhã deste sábado foi um comício. No palanque montado em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos, Lula distribuiu afagos em doses iguais para dois pré-candidatos a presidente, Manuela D'Ávila (PC do B), a "garota bonita" e Guilherme Boulos (PSOL), "jovem que está iniciando sua jornada".
– Você tem futuro, meu irmão – disse Lula a Boulos, lembrando que foi com dois anos menos do que o candidato do PSOL que ele comandou as greves no ABC e nasceu para a política.
O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que poderá ser o candidato do PT a presidente, se o TSE negar o registro a Lula, foi saudado depois de Boulos e Manuela como o ministro da Educação de uma época em que mais investimentos se fez na área. Enquanto discursava, Lula ia citando candidatos do PT em diferentes Estados. Mencionou Miguel Rossetto como possível futuro governador do Rio Grande do Sul e elogiou o deputado Paulo Pimenta como um dos maiores combatentes dos excessos da Lava-Jato, ao lado do senador Lindbergh Farias(RJ).
A imagem do ex-presidente saindo do palanque nos braços dos militantes depois do discurso reforça o roteiro de transformação de uma condenação criminal em ato político. Foi assim nas manifestações durante o ato religioso comandado pelo bispo Angélico Sândalo Bernardino, com a participação de outros padres, dois pastores evangélicos e uma pastora luterana.
Nessa narrativa, a condenação de Lula não é a segunda parte de um golpe que começou com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e que se consolidaria com o impedimento dele de concorrer a presidente em outubro. O próprio Lula, em seu longo discurso reafirmou a inocência, atacou "os meninos do Ministério Público", o Judiciário e a imprensa, a quem responsabilizou pelo que considera uma perseguição sem precedentes. Disse que vai provar que quem cometeu crime foi a imprensa, o delegado que o acusou, o Ministério Público e os juízes que o condenaram pressionados pela opinião pública. Disse que juiz que julga preocupado com a opinião pública tem de largas a toga e ser candidato.
– Esse pescoço aqui não baixa. Eu vou de cabeça erguida e vou sair de peito estufado de lá e e vou provar minha inocência – disse Lula no enceramento de um discurso em que incitou seus amigos verdadeiros a resistirem, fazerem passeatas, colocarem fogo em pneus, ocuparem terrenos baldios para construir casas e invadirem fazendas para torná-las produtivas.
Como se estivesse em um palanque eleitoral, Lula destacou o que fez pelos pobres em seu governo e o que fará num hipotético novo mandato. Usando frases de efeito, o ex-presidente chegou a dizer que não adianta prenderem-no, porque haverá milhões de Lulas para professar suas ideias:
– Não adianta eles acharem que vão fazer com que eu pare. Eu não pararei mais, porque que não sou um ser humano, eu sou uma ideia. Eles têm que saber que a morte de um combatente não para a revolução. Eles têm que saber que nós vamos fazer uma regulação dos meios de comunicação.
Na sua obsessão de culpar a imprensa pela sua condenação, citou nominalmente as emissoras de TV, começando pela Globo, os jornais, as revistas – destacando a Veja – e até as rádios do Interior. Até a morte de Marisa Letícia foi atribuída à mídia e ao Ministério Público:
– O que eles não se dão conta é que quanto mais eles me atacam, mais cresce a minha relação com o povo brasileiro.