No momento em que o relógio marcou 17h, já se sabia que o ex-presidente Lula não se entregaria à Polícia Federal para cumprir a pena de 12 anos e um mês de prisão, determinada pela Justiça. A dúvida era se o ex-presidente falaria para os militantes concentrados nos arredores do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista e que cantavam “Lula, cadê você?/ Eu vim aqui/ só pra te ver”. Lula não falou. E a explicação dada pelo deputado José Geraldo soa contraditória: não queria que o discurso fosse interpretado como afronta à Justiça.
O desafio à Justiça, no entanto, estava na boca dos líderes que se revezavam ao microfone e no próprio espírito da vigília, de impedir a prisão do ex-presidente. Uma das palavras mais repetidas, nos discursos e nas redes sociais, era “resistência”.
Anoiteceu e a Polícia Federal nem tentou cumprir a ordem de prisão, que só pode ser executada à luz do dia, das 6h às 18h. Seria temerário tentar prender um ex-presidente entrincheirado no sindicato que o catapultou para a política, cercado por milhares de manifestantes que há meses ameaçam resistir a qualquer preço. Para acalmar os ânimos, a PF disse que não tinha pressa em executar a ordem de prisão.
Desde que Lula teve a condenação confirmada no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em janeiro, líderes petistas incitam os militantes a resistir. A presidente Gleisi Hoffmann chegou a dizer que para prender Lula “vão ter que matar gente”, frase que depois da repercussão foi classificada como “força de expressão”.
Ao longo do dia, versões desencontradas sobre qual seria o comportamento do ex-presidente alimentaram a expectativa e garantiram imagens para veículos de comunicação de todos os continentes.
O PT e seus aliados atingiram o objetivo de dar tom político à ordem de prisão emitida pelo juiz Sergio Moro, apesar de a condenação ter sido por corrupção e lavagem de dinheiro.
Políticos do PT, do PC do B e do PSOL se revezavam na tribuna para reclamar da rapidez no julgamento de Lula e repetir o mantra da “perseguição política” e da “falta de provas”. O vereador Eduardo Suplicy (PT-SP), que já ameaçou ir para a cadeia junto com Lula, em solidariedade, exagerou nos elogios:
– Poucas vezes eu vi uma pessoa tão amada no Brasil e na Terra. Todas as pessoas o estão o abraçando e beijando com tanto carinho.
Enquanto o time de advogados procurava, sem sucesso, brechas jurídicas para impedir a prisão, corria em paralelo a negociação para uma rendição sem confronto. Pelo que ficou alinhavado na longa sexta-feira, Lula deve se entregar neste sábado, depois de uma missa em memória de sua mulher, Marisa Letícia, que completaria 68 anos neste 7 de abril. A missa poderá ser o último ato de que o ex-presidente participa antes de ser encarcerado em Curitiba, mas, se depender de líderes petistas mais radicais, a vigília vai continuar durante o fim de semana, podendo se estender, no mínimo, até quarta-feira.
Ao microfone, Gleisi foi quem deu a notícia de que Lula passaria a noite no sindicato e sustentou que não ter se apresentado à PF não configurava descumprimento de ordem judicial.
O deputado Marco Maia, um dos petistas denunciados na Lava-Jato, sugeriu em entrevista à Rádio Gaúcha que os militantes não arredem pé do Sindicato dos Metalúrgicos até quarta-feira, quando o ministro Marco Aurélio Mello tentará colocar em votação no Supremo STF duas ações declaratórias de constitucionalidade que questionam a legalidade da prisão após condenação em segunda instância. O desafio à Justiça também partiu dos movimentos de trabalhadores sem terra e sem teto. O MST trancou estradas e incendiou pneus, desrespeitando o direito constitucional de ir e vir.
Aliás
Os jovens que jogaram tinta vermelha no edifício onde a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, tem um apartamento em Belo Horizonte, praticaram mais do que um ato de vandalismo. A OAB classificou o ataque como uma afronta ao estado democrático de direito.