A relação com os donos do dinheiro está entranhada na trajetória de Luiz Inácio Lula da Silva. Foi nos pátios das montadoras do ABC Paulista que o sindicalista engrenou sua carreira política. Como líder de uma greve que deixou linhas de produção paradas, causou perdas milionárias a empresas como Ford, General Motors e Volkswagen. Por isso, foi preso pela primeira vez, em 1980, também em um abril, só que no dia 19. As mobilizações que liderou ajudaram a transformar os operários do ABC em uma classe média com salários e condições de trabalho melhores, mas também em uma das categorias com maior custo de mão de obra no país.
Fuga do Brasil
Com essas credenciais, candidatou-se pela primeira vez à Presidência da República em 1989. Os sinais de que iria para o segundo turno com o adversário Fernando Collor de Mello fizeram o então presidente da mais poderosa entidade empresarial do país, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Mario Amato, prever que 800 mil empresários deixariam o país caso Lula fosse vitorioso. Collor venceu – e sofreu o primeiro impeachment da história do Brasil dois anos e nove meses depois. Com o perfil "sapo barbudo", como definiu o também adversário Leonel Brizola na primeira eleição direta à Presidência depois de três décadas de ditadura militar, Lula disputou mais duas corridas presidenciais, em 1994 e 1998. Perdeu ambas para Fernando Henrique Cardoso.
Carta aos brasileiros
Na terceira disputa presidencial, captou a mensagem, mudou o discurso, virou Lulinha Paz e Amor e escolheu para vice em sua chapa um grande empresário, José Alencar, dono de uma das maiores indústrias têxteis nacionais. Mesmo com esses sinais, durante a campanha a bolsa despencou e o dólar alcançou inéditos R$ 3,98 – corrigidos pelo IGP-M, um dos indicadores mais sensíveis a variações cambiais, o equivalente hoje a R$ 11. Para aplacar o pânico no mercado, Lula lançou a Carta ao Povo Brasileiro, em que se comprometia com o chamado "tripé macroeconômico" vigente – meta de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal. Não convenceu o mercado, mas venceu a eleição.
O cara
Para surpresa dos céticos, ao ser eleito Lula adotou a "estratégia do violinista" – pega com a esquerda, toca com a direita. Cumpriu cada compromisso da carta. Indicou um banqueiro com visibilidade global, Henrique Meirelles, então presidente do BankBoston, para comandar o Banco Central. Com o pragmático Antonio Palocci na Fazenda, compôs uma dupla que abriu as portas do governo ao empresariado – hoje, sabe-se, escancarou. No segundo mandato, em 2009, levou o Brasil à famosa capa da revista britânica The Economist, que anunciava a decolagem do Brasil. No mesmo ano, um cumprimento simpático de Barack Obama, "my man", transformou Lula em "o cara". Abriu caminho para eleger uma sucessora quase desconhecida.
Jararaca viva
No segundo mandato, Lula driblou tópicos da carta, mas foi no governo Dilma que apareceu a "nova matriz econômica", com mais controle estatal da economia, freio no preços de combustíveis e uso de bancos públicos para reduzir juro e ampliar crédito. Em julho de 2014, uma analista do banco Santander enviou a clientes texto em que previa "cenário de reversão" em caso de reeleição de Dilma, com dólar e juro altos e bolsa em queda. A profissional foi demitida, mas a cada alta da candidata nas pesquisas, ocorreu o previsto. O mercado consolidou o divórcio do governo petista. Em março de 2016, quando foi alvo de condução coercitiva, Lula radicalizou o discurso. "Se quiseram matar a jararaca, não fizeram direito, pois não bateram na cabeça, bateram no rabo, porque a jararaca está viva" foi a frase que mais marcou. Em janeiro deste ano, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, chegou a anunciar reedição da Carta ao Povo Brasileiro, para tentar desfazer a imagem radical. O plano foi abandonado.