O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso no alto de um carro de som instalado em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, confirmou que se apresentaria à Polícia Federal (PF) para iniciar o cumprimento da sua pena de 12 anos e um mês de prisão. A ordem de reclusão, emitida pelo juiz federal Sergio Moro, vigora desde a tarde de quinta-feira (5).
O petista, em comício diante de milhares de apoiadores e com a presença de lideranças políticas da esquerda, não deixou claro o momento em que irá se entregar. Advogados dele ainda negociam termos com a PF.
— Eu não tô escondido. Eu vou lá na barba deles para eles saberem que eu não tenho medo. (...) É com essa crença, de cabeça erguida, quero chegar lá e falar para o delegado: "Estou a sua disposição". É a história que vai provar que quem cometeu um crime foi o delegado que me acusou, o juiz que me julgou e o Ministério Público. (...) Eu sairei dessa maior, mais forte, mais verdadeiro e inocente. Eu quero provar que eles é que cometeram um crime. Um crime político de perseguição a um homem — afirmou Lula, que voltou a discursar no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, agremiação que ele presidiu em 1980, quando liderou grandes greves.
Miguel Rossetto, logo após o final do discurso, confirmou que o ex-presidente vai se entregar ainda no sábado. O ex-vice-governador gaúcho disse que o partido seguirá buscando recursos jurídicos para libertar Lula.
— Todos nós acreditamos na inocência de Lula e que ele será nosso candidato à Presidência da República. Esse país tem nome, e o nome é Lula. Ele será candidato, e será eleito — disse Rossetto.
Os 55 minutos de fala transformaram a missa em homenagem à ex-primeira-dama Marisa Letícia, que morreu em fevereiro de 2017 e estaria completando 68 anos neste sábado (7), em ato político. Em tom de despedida, o terceiro e último dia de vigília ao ex-presidente em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), terminou com um discurso histórico e uma catarse coletiva. Sob gritos de "não se entrega, não se entrega", quase sem voz, o ícone da esquerda brasileira anunciou ao público a decisão de se apresentar à PF, mas prometeu aos apoiadores que a prisão não selará o seu fim.
— Não sou mais um ser humano. Sou uma ideia — bradou o ex-presidente, que responde a outros sete processo além daquele em que já foi condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Lula, que já passou duas noites no sindicato, culpou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o juiz Moro, o Ministério Público, a imprensa e as elites econômicas por conta da suposta perseguição imposta a ele.
— Eu acho que tanto o TRF4, o Moro, a Lava-Jato, eles tem um sonho de consumo. O golpe não terminou com a Dilma (Rousseff, ex-presidente que sofreu impeachment). O golpe só vai concluir quando eles conseguirem convencer que o Lula não pode ser candidato em 2018. Eles não querem que eu participe. Eles não querem o Lula de volta, porque pobre, na cabeça deles, não pode ter direito. (...) Outro sonho de consumo deles é a foto do Lula preso. Eles vão ter orgasmos múltiplos — afirmou o ex-presidente, citando nominalmente a TV Globo e a revista Veja.
O petista seguiu com críticas quando citou indiretamente o procurador do MPF Deltan Dall'agnoll, chamado de "procurador do PowerPoint", lembrando uma afirmação em que ele disse ter "convicção" sobre a culpa de Lula no caso do tríplex.
— Quero que ele (Deltan) guarde a convicção dele para os seus comparsas, para os seus asseclas — atacou.
O ex-presidente também criticou os julgamento de casos com base no clamor popular. Ele disse que é preciso ter "responsabilidade" para acusar e julgar.
— Quem quiser votar com base na opinião pública, largue a toga e vá ser candidato, escolha um partido político. A toga é um emprego vitalício. Tem que votar apenas com base nos autos no processo — protestou.
Em discurso de teor político, emocional e, por vezes, de enfrentamento verbal, ele lamentou o envolvimento de seus parentes.
— Não é fácil o que sofre a minha família. Não é fácil o que sofrem os meus filhos. Não é fácil o que sofreu a Marisa. Eu quero dizer que a antecipação da morte da Marisa foi pela safadeza que a imprensa e o Ministério Público fizeram contra ela.
A ex-primeira-dama Marisa Letícia esteve entre os acusados por corrupção e lavagem de dinheiro por conta do tríplex no Guarujá, reformado pela empreiteira OAS, que teria recebido supostas vantagens em contratos da Petrobras em troca. Marisa se tornou ré na 13ª Vara Federal de Curitiba, mas faleceu antes da sentença.
Preparando o encerramento, Lula falou das novas gerações da esquerda. Foi um momento simbólico: ele chamou para o seu lado os pré-candidatos à presidência do PSOL, Guilherme Boulos, e do PC do B, Manuela D'Ávila, e os saudou com palavras. Boulos e Manuela são dois jovens na política que disputam o espólio eleitoral de Lula na disputa de 2018.
Uma alternativa do PT, considerando as remotas chances de Lula sair candidato, poderá ser o lançamento da candidatura do ex-presidente de São Paulo Fernando Haddad (PT). Ex-ministro da Educação, Haddad estava no ato no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, mas não recebeu de Lula a mesma deferência concedida a Boulos e Manuela.
Em meio a aplausos e gritos, o líder petista concluiu:
— Eu vou cumprir o mandado. E todos vocês daqui para frente vão virar Lula. Eles têm de saber que a morte de um combatente não para a revolução.
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, puxou o coro do "eu sou Lula". Flores e balões foram distribuídos. Lula então desceu do caminhão e caminhou no meio das pessoas até a sede do Sindicato. Chegou a passar mal e teve de ser atendido às pressas por um médico. Logo se recuperou e apareceu à janela.