Com mais de duas horas de apresentação, a denúncia formalizada pelo Ministério Público Federal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva equivale a uma carga de dinamite na biografia do primeiro operário a chegar à Presidência da República. Denunciado não é condenado, e Lula exercerá o direito de defesa em todas as instâncias, mas do ponto de vista político, equivale a uma pá de cal em sua carreira. Quem acompanha a dinâmica da Lava-Jato não tem dúvida de que a denúncia será aceita pelo juiz Sérgio Moro.
O procurador Deltan Dallagnol apresentou Lula como o "comandante máximo de um esquema de corrupção" que foi além da Petrobras e beneficiou o PT, o PMDB e o PP. Ora chamado de "general", ora de "maestro de uma orquestra concatenada para saquear os cofres públicos", Lula foi denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro. Esta é a primeira denúncia em Curitiba – Lula é réu na Justiça Federal de Brasília, por tentativa de obstrução da Justiça – mas os procuradores deram indicações de que outras virão nos próximos dias.
A defesa de Lula sustentou que o Ministério Público Federal não apresentou provas e acusou o procurador Deltan Dallagnol de fazer uma acusação política, repleta de ilações.
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Acusado de receber R$ 3,7 milhões em propina, diretamente, com a reforma do triplex no Guarujá, e por meio do Instituto Lula e de sua empresa, a LILS, o ex-presidente foi apresentado como o centro do núcleo político, que atuou em conluio com agentes públicos e empresários. A denúncia se refere apenas a pagamentos e doações feitas pela OAS. Os dois focos são o triplex do Guarujá, que Lula diz não ser dele, e o aluguel de um depósito para guarda do acervo pessoal de Lula.
O ex-presidente da empresa, Leo Pinheiro, foi denunciado no mesmo pacote, junto com a mulher de Lula, Marisa Letícia, e outras cinco pessoas. Também foram denunciados o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto, o executivo da OAS Paulo Gordilho, o arquiteto Roberto Ferreira, empregado da construtora, o ex-diretor internacional da OAS, Agenor Medeiros, e o diretor financeiro da empreiteira, Fábio Yonamine.
Nunca se viu, em dois anos de Lava-Jato, uma apresentação com tamanho grau de detalhamento e com tantas frases de efeito. Com desenhos, gráficos e organogramas, Dallagnol fez uma contextualização ampla dos esquemas de corrupção desvendados na Lava-Jato, repetindo de tempo em tempo que não teriam prosperado sem a concordância e o comando de Lula. Disse que José Dirceu foi condenado no mensalão como chefe do esquema, mas que o verdadeiro general era Lula. O procurador chegou a comparar Lula ao criminoso "que foge da cena do crime depois de matar a vítima e tenta silenciar testemunhas".
Dallagnol ofereceu aos dicionários um novo vocábulo: propinocracia, substantivo feminino que serve para designar um governo regido pela propina. E sintetizou em três pontos o propósito dos esquemas de corrupção na Petrobras e em outras estatais: a governabilidade, por meio da compra de apoio de parlamentares, a perpetuação de um projeto de poder e o enriquecimento ilícito.