Desconfie sempre de alguém que lhe disser estar tomando uma atitude "para a sua segurança". Em geral, trata-se de um argumento de autoridade acompanhado de uma ação truculenta, travestido de suposta preocupação. Duvide também se alguém lhe disser se tratar de um assunto de "segurança nacional". Quase certamente é uma desculpa para ocultar da população informações de alto interesse público, mas que alguns poucos arvoram-se o direito de restringir.
Em casos de guerra, liberar uma informação pode comprometer estratégias - e colocar o país em risco. Mas, em tempos "normais", reivindicar a segurança nacional é, provavelmente, uma tática de alguém ou grupo tirando proveito do exercício do poder para ganhar algo em troca.
Nas Relações Internacionais, a Escola de Copenhague se tornou famosa pelos estudos da securitização - ou seja, quando temas que não pertencem ao campo da segurança são tratados nesse âmbito. Qualquer assunto pode ser securitizado: drogas, pandemia, economia, imigração, ambiente. Um exemplo: a crise de covid-19 era um tema de saúde pública, mas, no momento em que países colocaram as forças armadas para fechar fronteiras, estavam securitizando o tema. Quando um assunto é securitizado, os atores, em geral o Estado, lançam mão de meios extraordinários em nome da... "segurança".
O projeto encaminhado pelo presidente Javier Milei ao Congresso argentino defende que o estado de emergência passe a valer para “temas econômicos, financeiros, fiscais, de seguridade social, segurança, defesa, tarifas, energia, saúde, administrativos e sociais até 31 de dezembro de 2025″, podendo ser prorrogado por até dois anos. Ele já havia declarado emergência na área de energia em 18 de dezembro.
Em outras palavras, na prática, ele está securitizando temas que não pertencem a esse âmbito. A Argentina vive uma catástrofe econômica sem precedentes, e esse problema deve ser prioridade para o novo governo, que tem legitimidade das urnas para encaminhar projetos. Mas Milei aproveita-se da crise para estender suas propostas para outras áreas, que, em outros tempos, não poderia mudar sozinho, muito menos sem debater com a população, que, aliás, quer manter alijada.
O presidente incorporou ao pacote iniciativas polêmicas. Em algumas, tem razão. O fim das Paso, as primárias eleitorais, eliminaria os gastos de uma eleição antes da eleição propriamente dita. E a implementação da Boleta Única de Papel acabaria com a confusão de cédulas no "quarto escuro" no qual o eleitor vota no dia da eleição.
Como não há uma cédula de papel única, cada partido imprime a sua e o eleitor precisa escolher, na cabine, entre várias, aquelas que contêm os nomes de seus preferidos. Mas, em outras, aproveita-se da situação de emergência para alterar a composição de deputados, fragmentar o país em vários distritos eleitorais (conforme seus interesses) e refundar, em 183 páginas, o Estado argentino.
O projeto, batizado como Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos, não tem ligação com o megadecreto anunciado no dia 20, já que toca em temas que não podem ser reformados por um canetaço. Por isso, na prática, o que Milei busca é o aval do Congresso para poder reinar.