O debate da TV Globo entre os candidatos à Presidência terminou aos 12 minutos. Foi quando teve início a baixaria. Nas três horas seguintes, o país assistiu, ao vivo, a um retrato do que de pior a política brasileira é capaz de parir: xingamentos, desrespeito às regras, falta de educação e de civilidade, interrupções quase constantes ao oponente e um duelo de pedidos de resposta que, por pouco, não inviabilizou o encontro.
Os dois líderes das pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), não ficaram frente a frente em nenhum momento nos púlpitos — ou não tiveram chance de perguntar diretamente um para o outro devido aos sorteios prévios ou evitaram escolher o oponente direto. No caso de Bolsonaro, ele teve essa oportunidade no segundo bloco, mas optou por questionar Felipe D’Ávila (Novo).
O embate entre Bolsonaro e Lula foi indireto: por meio dos sucessivos pedidos de direito de resposta, recursos que, uma vez obtidos, deixavam de ser usados para se defender das supostas acusações, mas para voltar a atacar o oponente ou para mudar de tema.
Aliás, fugir do assunto foi uma das constantes do encontro. Um exemplo: no quarto bloco, o tema deveria ser segurança pública, mas Soraya Thronicke (União Brasil) questionou Bolsonaro se ele daria um golpe, ao que o candidato preferiu criticá-la pelos pedidos de cargos que a oponente teria feito a ele. Na réplica, Soraya quis saber se o atual presidente havia se vacinado contra a covid-19. Bolsonaro não respondeu. Falou sobre corrupção.
Outra estratégia adotada para atacar o adversário foi o uso de terceiros: enquanto Bolsonaro se esforçava para aparentar calma, especialmente diante das duas candidatas mulheres, o folclórico Padre Kelmon (PTB) fazia o serviço sujo, atacando Lula.
As sucessivas interrupções do padre, que extrapolaram os limites do diálogo possível, em especial na interação com Soraya, levaram William Bonner a quase perder a paciência. Por vezes, parecia que o mediador estava repreendendo crianças arruaceiras na sala de aula — e não lidando com políticos que aspiram comandar a 10ª maior economia do mundo a partir de 1° de janeiro de 2023.
Baixaria, ironia e desrespeito tornaram o palco da Globo um terreno fértil para atos falhos e expressões esdrúxulas que viraram memes, na velocidade das redes sociais madrugada adentro: “candidato-padre”, “padre de festa junina”, “Bolsonaro nem nem (nem estuda nem trabalha)”, “candidato-laranja”, “descondenado”, “candidata Bolsonara”, “gente pelada com o dedo vocês sabem onde” foram algumas das máximas. Aliás, essa última pérola — a do “dedo vocês sabem onde”— foi dita pelo Padre Kelmon em uma rodada cujo tema deveria ser cultura.
Por vezes, Simone Tebet (MDB), D’Avila e um pouco expressivo Ciro Gomes (PDT) tentaram restabelecer a civilidade. Mas, de forma geral, além das provocações, foi um debate que olhou muito mais para trás — como a provocação de Bolsonaro a Simone, tentando atraí-la a falar sobre a morte do prefeito Celso Daniel — do que de futuro. Houve frases que, infelizmente, contribuirão mais para recortes das campanhas e de seguidores de cada lado utilizarem em suas bolhas, nas redes sociais. No fundo, muitas vezes, os candidatos pareciam que estavam, mesmo, discutindo no grupo do condomínio do WhatsApp.
Para não fazer terra arrasada, vale destacar uma respeitosa conversa entre Simone e Lula sobre política ambiental. Lula perguntou, Simone respondeu. E os dois ficaram dentro do tema sorteado. Mais: as propostas tiveram início, meio e fim. Ciro e Soraya deram continuidade, em conversa consistente sobre geração de emprego. Foram dois dos raros lapsos de propostas em mais de três horas de um show de horrores.