Quando o último soldado americano embarcar de volta para casa, nesta terça-feira (31), encerrando 20 anos de guerra, o Afeganistão, ironicamente, estará nas mãos do mesmo grupo que, duas décadas atrás, estava no poder quando o primeiro míssil Tomahawk atingiu Cabul. Alguns dos líderes da época estão mortos, entre eles o mulá Omar, máxima autoridade do Talibã, que governo o país com práticas extremistas entre 1996 e 2001.
Passados 20 anos, o Talibã hoje dá entrevista coletiva, promete moderação e diz até que mulheres poderão continuar estudante em universidades - desde que em salas separadas dos homens. Uma possível moderação é vista com ceticismo pela comunidade internacional e até uma aliança improvável (?) entre o Talibã e os Estados Unidos é cogitada, diante da ameaça representada pelo chamado Isis-K (o braço da organização terrorista Estado Islâmico no Afeganistão). O ponto de interrogação do "aliança improvável", obviamente, é uma ironia, uma vez que os mujahedins da época do conflito contra a URSS (1979-1989) já foram financiados pela CIA contra os soviéticos.
Mas quem são os novos talibãs? A agência France Presse resume:
Haibatullah Akhundzada
O mulá Haibatullah Akhundzada foi nomeado chefe dos talibãs em maio de 2016 em uma transição rápida, dias depois de um ataque de drones das tropas dos Estados Unidos ter matado seu antecessor, Mansur Akhtar.
Antes de sua nomeação, pouco se sabia sobre Akhundzada, uma figura discreta e dedicada a questões religiosas e legais. Seu papel na vanguarda do movimento era considerado mais simbólico do que operacional.
Filho de um teólogo, natural de Kandahar, o coração do país pahtun no sul do Afeganistão e berço dos talibãs, Akhundzada obteve rapidamente uma promessa de lealdade de Ayman al Zawahiri, líder da Al-Qaeda.
Akhundzada teve a delicada missão de unificar os talibãs, fragmentados por uma violenta luta pelo poder após a morte de Mansur e a revelação de que haviam escondido por anos a morte do fundador do movimento, o mulá Omar.
Ele conseguiu manter o grupo unido e continuou a ser bastante discreto e silencioso, limitando-se a transmitir raras mensagens anuais nos feriados islâmicos.
Mulá Baradar
Abdul Ghani Baradar é o co-fundador do Talibã junto com o mulá Omar, morto em 2013.
Como muitos afegãos, sua vida foi moldada pela invasão soviética em 1979, que o tornou um mujahedin, um combatente fundamentalista islâmico. Acredita-se que tenha lutado ao lado do mulá Omar.
Ambos teriam fundado o movimento Talibã durante a guerra civil afegã, no início dos anos 1990, quando senhores de guerra, de diferentes tribos, lutavam para controlar o país a sangue e fogo.
Em 2001, após a intervenção dos EUA e a queda do regime Talibã, ele fez parte de um pequeno grupo de insurgentes dispostos a concordar com um acordo que reconhecia o governo de Cabul (pró-Ocidente). A iniciativa foi, no entanto, rejeitada pelos americanos, que ocuparam o país durante 20 anos.
Baradar era o comandante militar dos talibãs, quando foi preso em 2010, em Karachi, no Paquistão. Foi solto em 2018.
Ouvido e respeitado pelas diferentes facções talibãs, ele foi nomeado chefe do escritório político do grupo, localizado no Catar.
Do país do Golfo, liderou negociações com os americanos, as quais levaram à retirada das forças estrangeiras do Afeganistão. Ele voltou ao país dois dias depois da tomada de poder pelo grupo.
Sirajuddin Haqqani
Filho de Jalaluddin Haqqani, um célebre comandante da jihad antissoviético, Sirajuddin é o número 2 dos talibãs e o líder da rede Haqqani. Fundada por seu pai, a facção é classificada como terrorista por Washington, que sempre a considerou o braço combatente mais perigoso contra as tropas dos EUA e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) nas últimas duas décadas no Afeganistão.
Também é acusado de ter assassinado alguns funcionários de alto escalão do governo afegão e de manter ocidentais como reféns para obter resgate ou mantê-los como prisioneiros. Um deles foi o militar americano Bowe Bergdahl, libertado em 2014 em troca de cinco detentos afegãos da prisão de Guantánamo.
Conhecidos por sua independência, por suas habilidades em combate e pelos negócios bem-sucedidos, acredita-se que os Haqqani comandam as operações nas áreas montanhosas do leste do Afeganistão e que teriam grande influência nas decisões do movimento.
Mulá Yaqub
Filho do mulá Omar, Yaqub é o chefe da poderosa comissão militar dos talibãs, que decide os rumos estratégicos.
Sua ascendência e laços com seu pai, idolatrado como líder histórico dos talibãs, fizeram dele uma figura unificadora dentro de um movimento amplo e diverso. Há dúvidas sobre seu papel exato na insurgência. Alguns analistas acreditam que sua nomeação para a chefia desta comissão em 2020 foi apenas simbólica.