A notícia de que o Reino Unido começará a vacinar sua população contra o coronavírus chega no mesmo dia em que parte do país sai do seu segundo confinamento de quatro semanas.
A Inglaterra voltou a se fechar depois que o território superou marca de 1 milhão de casos de covid-19. Há uma dupla celebração: a primeira, a da aprovação da vacina da Pfizer/BioNTech; a segunda é que o novo lockdown deu resultados positivos. Estudo preliminar do Imperial College, de Londres, mostrou que o confinamento adotado na Inglaterra reduziu o número de casos de covid-19 em 30%. A universidade estima que 96 pessoas a cada 10 mil contraíram o vírus entre 13 e 24 de novembro. Entre 16 de outubro e 2 de novembro, o índice era de 130 contágios a cada 10 mil pessoas. A taxa de transmissão da covid-19 é de 0,88, segundo o Imperial College. Valor abaixo de 1,0 indica tendência de estabilização. Vale lembrar que Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, os outros três territórios que com a Inglaterra formam o Reino Unido, adotaram regras próprias.
O arquipélago de Sua Majestade foi do caos das primeiras semanas da pandemia à esperança do início do fim dessa tragédia que abate a todos nós. O governo Boris Johnson reagiu tarde, quando o coronavírus batia à porta da Europa pela Itália. Na dor, os britânicos, orgulhosos do Brexit, insistiram em ficar apartados do resto do continente. Enquanto do outro lado do Canal da Mancha, milhões de pessoas se trancavam em casa, no Reino Unido a vida seguia normal.
O governo demorou para decretar covid-19 a pior crise de saúde pública de várias gerações. Bateu cabeça e tempo demais foi perdido. O país sofreu o colapso das UTIs e houve um morticínio nas casas de repouso para idosos - não por acaso será por elas que a campanha de vacinação irá começar.
Então, veio o drama particular de Johnson, que, positivado para covid-19, esteve à beira da morte em uma UTI. Foi salvo pelo sistema de saúde pública do país e por dois enfermeiros que garantiram que seu corpo recebesse a quantidade certa de oxigênio no momento mais decisivo "quando a situação poderia ter ido para qualquer lado". O país viveu uma tragédia como país, enquanto Johnson vivia seu drama particular.
A experiência de quase morte mudou o primeiro-ministro e, de certa forma, o destino da nação. Johnson foi da negação da gravidade da doença a um discurso de comprometimento, que lhe custou popularidade, mas talvez tenha salvo vidas. Em setembro, ele informou à Câmara dos Comuns que seria obrigatório o uso de máscaras em bares, restaurantes e lojas - e as multas para quem não cumprir seria mais pesadas.
- O Reino Unido está em um momento perigosos da pandemia - afirmou.
A autorização ocorre após meses de testes clínicos rigorosos e uma análise profunda dos dados de especialistas pela MHRA, a Agência Independente de Regulamentação de Medicamentos e dos Produtos de Saúde. Sua chefe, June Raine, fez uma analogia entre o processos de aprovação e a escalada de uma montanha.
_ Quando você está escalando uma montanha, você se prepara e se prepara. Começamos isso em junho. Quando os resultados provisórios foram disponibilizados em 10 de novembro, estávamos no acampamento base. E então, quando obtivemos a análise final, estávamos prontos para o último sprint que nos trouxe ao dia de hoje _ disse à BBC.
As análises do órgão eram feitas em paralelo aos dados divulgados pela Pfizer BioNTech sobre o produto. Os reguladores do Reino Unido também estão considerando outras duas vacinas _ a de Oxford e AtraZeneca, o país encomendou 100 milhões de doses, e a da Moderna, foram comprados 7 milhões de doses. Os dois produtos devem ser autorizados pela MHRA nos próximos dias. Mas o revés sofrido por Oxford, uma instituição orgulho nacional britânico, atrasou o produto, e a vacina americana ganhou a liderança.
A rapidez envolveu ousadia que rendeu críticas. A agência europeia de medicamentos (European Medicines Agency) sugeriu que os reguladores britânicos priorizaram a velocidade em vez de ganhar a confiança do público. Em uma série de aparições na mídia nesta quarta-feira 2), o secretário de Saúde Matt Hancock afirmou que a autorização de emergência para o uso da vacina foi possível em parte devido ao Brexit. Quis dizer que, se o Reino Unido dependesse das leis da União Europeia, enquanto era um membro do bloco, o país não teria a vacina neste momento. Foi uma tentativa de politizar o processo, uma mancha pequena em um dia que a humanidade tem mais a comemorar.
Raine, a chefe da agência regulatória, disse que o processo foi realizado nos termos da legislação europeia, que permanece em vigor até a conclusão da transição do Brexit no final de 2020. No meio da polêmica, o embaixador da Alemanha foi voz ponderada.
- Por que é tão difícil reconhecer esse importante passo como resultado de um grande esforço e sucesso internacional - tuitou Andreas Michaelis. – Realmente não penso que essa seja uma história nacional. Apesar de uma empresa alemã, a BioNTech, ter papel crucial essa história é europeia e transatlântica.
Os críticos dirão que a Boris Jonhson acelerou processos, flexibilizou procedimentos. Mas o que o mundo quer é a vacina. E, neste momento, ser britânico significa estar um passo à frente do resto da humanidade. Johnson marca pontos dentro e fora do Reino Unido.