Há uma tragédia particular e outra como nação em curso no Reino Unido do coronavírus.
A primeira é a luta individual do primeiro-ministro Boris Johnson, 55 anos, que está na UTI do Hospital St. Thomas, em Londres, depois que, diagnosticado com a covid-19, seu quadro de saúde piorou. O líder que conduziu o Reino Unido para fora da União Europeia (UE), em 31 de março, após a novela do Brexit que derrubou vários de seus colegas e se arrastou por quatro anos, pode ser enquadrado no hall dos chefes de governo que, inicialmente, minimizaram os riscos da pandemia, como os presidentes Jair Bolsonaro, Donald Trump, entre os principais expoentes, e alguns outros perdidos pelo mapa-múndi, como Daniel Ortega, da Nicarágua (hoje o único a desdenhar da crise global), e o mexicano Andrés Manuel López Obrador.
No caso de Johnson, o deboche inicial com que lidou com a ameaça fez com que o país perdesse tempo precioso (e aí a tragédia como nação) diante de um vírus com disseminação avassaladora. Soma-se a isso o erro estratégico inicial de apostar na imunização de rebanho como forma de combate à doença, a tática segundo a qual se atingiria uma imunidade coletiva a partir do contágio, algo que chocou a comunidade científica.
Até na dor, os britânicos insistiram em ficar apartados do resto da Europa: enquanto do outro lado do Canal da Mancha, milhões de pessoas se fechavam em casa, na terra de Sua Majestade a vida seguia normal, com pubs, cinemas e academias funcionando. Mesmo depois do dia 5 de março, com a primeira morte.
Johnson levou ainda sete dias para decretar a covid-19 “a pior crise de saúde pública de uma geração”. Mais quatro dias escorreram pelos dedos até que ele pedisse que os britânicos evitassem contato social. Só no dia 20, 15 dias depois da primeira morte, o governo fechou estabelecimentos comerciais, e mais 72 horas depois, decretou a quarentena. Foi tempo perdido demais.
Agora, analistas se debruçam sobre dois modelos estatísticos macabros para prever o abril no país de Johnson. Ambos preocupantes. Prognósticos do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), da Universidade de Washington, informam que o Reino Unido será o país mais afetado da Europa, podendo chegar a 66 mil em agosto (quatro Itálias, imagine!), com pico de 3 mil óbitos em 24 horas, com pico no dia 17. Outro modelo, mais conservador, do Imperial College, de Londres, fala de um máximo de 20 mil mortos, desde que as medidas de isolamento social sejam mantidas. Os dois desenhos estatísticos colocam sob pressão o famoso sistema público de saúde britânico, o National Health Service. Infelizmente, a marca negativa dos 786 mortos por coronavírus em 24 horas, anunciada pelo governo na terça-feira (7), é só o começo.